O PORTUGAL DE ORLANDO RIBEIRO TEM GENTE DENTRO

Nos escritos e declarações sobre a estratégia de recuperação de Portugal, nota-se uma profunda ausência não só as ciências ambientais modernas, como dos contributos fundamentais da geografia clássica, para saber do que se fala quando se escreve o nome de Portugal. A visão mais integradora da geografia portuguesa, entendida na sua multiplicidade de aspectos, do revelo à biogeografia, passando pela caracterização cultural das suas populações, está hoje acessível nas obras de grandes mestres, de entre os quais sobressai Orlando Ribeiro (1911-1997) e a sua obra-prima Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico (1945), sobre o território continental português.

Orlando Ribeiro (OR) propõe uma interpretação orgânica e temporal do território e da cultura portuguesa, marcada por uma dialéctica entre as características predominantemente atlânticas do Norte litoral e as componentes mediterrânicas, dominantes na parte mais extensa do território. Essa dialéctica seria a base para uma identificação das três divisões regionais fundamentais do território continental português: o Norte Atlântico, o Norte Transmontano e o Sul. Contudo, numa análise mais fina, OR identifica um total de 23 subregiões, o que nos dá uma imagem da grande diversidade do território português. Outras linhas de contraste podem ser identificadas no país: a) o contraste entre um Norte, com grande disponibilidade hídrica e maior densidade demográfica, e um Sul mais seco e mais escasso do ponto de vista populacional; b) o contraste entre o Litoral e o Interior, que explica, por um lado, o modo como a ocupação humana se debruça numa linha litoral que vai de Braga a Setúbal, complementada por uma mais recente que coincide com o litoral algarvio, e por outro lado, certos aspectos da continuidade do revestimento arbóreo desde Trás-os-Montes ao Alentejo e Algarve, onde se observam, entre outras espécies, carvalhos, castanheiros, sobreiros, azinheiras, oliveiras, figueiras e amendoeiras (antes da intrusão das monoculturas de pinheiros bravos e eucaliptos); c) o contraste entre as Terras Altas e as Terras Baixas, onde se destacam os arcaicos contornos da vida agro-pastoril, das plantações de vinha e de árvores de fruto.

Noutras obras de OR, e de outros autores, é possível alargar a representação do país para nele incluir o Mar como factor de liberdade identitária e o excepcional interesse e beleza dos dois arquipélagos macaronésios portugueses, marcados pela floresta de Laurissilva, de que a Madeira tem o reduto mais valioso, reconhecido desde 1999 como de interesse mundial pela UNESCO, profusamente estudado e defendido por Raimundo Quintal. Será que a engenharia política que quer “recuperar” Portugal, transformando-o num estaleiro de minas em terra e no mar – financiado através de incertos fundos europeus – já pensou nas lições que OR nos ensinou sobre o segredo de Portugal? Teremos Plano à altura de um país com gente dentro, habitando nas fronteiras de uma nação que é Estado há quase 9 séculos, e que até agora venceu todos os desafios existenciais?

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de 25 de Julho 2020, página 24.

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Paulo Rodrigues

“Para quem vem do Mediterrâneo, onde há ilhas, como a Córsega, quase sem vida marítima, uma terra de rurais aparece, pela primeira vez, franjada de um litoral que formiga de gente e de trabalho.”
Orlando Ribeiro “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” capítulo III