Na sua conferência de 1919, sobre a política como profissão e vocação, Max Weber profetizou a era de líderes carismáticos que conduziria à II Guerra Mundial. Salazar ocupa um lugar singular nessa galeria, que vai de Mussolini a Estaline, unida pela recusa e desprezo da democracia liberal. Contudo, ao contrário de Mussolini e Hitler, que tinham “sistemas filosóficos” barrocos e abrangentes, voluntaristas até à histriónica e fanática recusa dos factos, Salazar preferia uma política analítica, voltada para os casos concretos, mimética das ciências positivas: “Não sou – escrevia em 1943 – dos que julgam que há uma verdade política; mas firmemente creio que há verdades políticas tão exactamente demonstradas pela razão e pela experiência como conclusões das ciências positivas. Os que julgam possuir a verdade na política e governo dos povos vão desgraçá-los com a imposição, até onde puderem, do seu elixir universal”.
O nacionalismo de Salazar, por outro lado, não disfarçava uma avaliação bastante pessimista da capacidade do povo português para se autogovernar. A massa do povo tinha “intuição”, mas era iletrada. As elites educadas “falham em geral como condutores do povo”. Enquanto Mussolini via na Itália de 1921 a antecâmara do renascer imperial romano, e Hitler prometia, em 1935, um império ariano de mil anos, Salazar, em 1943, apenas tinha a certeza da sua indispensabilidade: “De onde ser em Portugal a Nação acessível a todos e o Estado a muito poucos.” Uma mitologia mínima, cerimonial, separava o Estado Novo do wagnerismo da Alemanha hitleriana. Num discurso de 28 de Abril de 1934, Salazar fustiga “o ideal pagão e anti-humano de deificar uma raça ou um império”, numa alusão directa ao nazismo. Por outro lado, em 1938, depois da anexação nazi da Áustria, Salazar demarca-se, perante a Assembleia Nacional, da Machtpolitik nazi, que acusa de ser uma corrupção grosseira do realismo político por esquecer os limites que toda a acção política deve respeitar: “[…] esta política [de Hitler] fascinará em breve as inteligências e apresentará o perigo de arrastar as vontades para o que no meu pensar é já desvirtuamento da política realista – a política do facto consumado, a política da força. Eu sei que a razão também tem força; por outras palavras também é uma realidade.” Na mesma ocasião, vê na instabilidade generalizada causada pela política de força de Berlim, razão suficiente para o “rearmamento” português, e para a invocação da “aliança inglesa”.
Salazar era um conservador autoritário, mas de raízes fundamentalmente autóctones. O seu calculismo realista escondia um profundo paternalismo acerca das (in) capacidades nacionais, e uma amarga avaliação da condição humana em geral. O seu horizonte político era o da estabilidade, nunca o do progresso. A sua desmesura cingiu-se ao juízo sobre o seu próprio valor. De tanto querer tutelar Portugal contra a voragem da história, acabou por o deixar ainda mais vulnerável perante o seu inevitável impacto. Esse foi o “elixir” que Salazar deixou como marca na história nacional.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, em 1 de Agosto de 2020, página 10.
“Poucos, raríssimos cidadãos podiam entrar na torrezinha modesta onde ele se tinha fechado a 7 chaves, todas de segredo e cada qual com o seu nome – a saber:
Chave da Força, a mais pesada.
Chave das Bênçãos ou dos Santos óleos, trabalhada a ouro e incenso.
Chave do Comércio, modelo universal.
Chave dos Espiões ou Gazua da Inconfidência.
Quinta Chave, também chamada das Alianças, para uso de estrangeiros de boa vontade.
Chave do suborno, a de mais voltas.
Chave dos Caprichos e Acasos, pessoal e intransmissível.”
José Cardoso Pires “Dinossauro Excelentíssimo”.