VINTE ANOS DE ENGENHARIA MONETÁRIA

Parece ter sido Mirabeau (1754-1792) o autor da célebre frase sobre o militarismo prussiano: “A Prússia não é um Estado com um exército, mas um exército que tem um Estado”. Por analogia, poderemos dizer, vinte anos depois da entrada em cena do euro: “A zona euro (ZE) não é uma união de Estados que tem uma moeda, mas uma moeda que tem uma união de Estados”. Na verdade, todos os anos, os Estados da ZE, através do “semestre europeu” e da disciplina orçamental, têm de obter uma espécie de nova autorização de residência da Comissão Europeia, para continuarem a habitar na ZE. E o mais extraordinário é que o euro, que tantas justas queixas merece, funciona como aqueles imperativos materiais perversos que mantêm os casais desavindos unidos, por razões de simples análise custo-benefício. Antes dormir com o inimigo que ficar ao relento na rua. De facto, os líderes políticos europeus, distraídos na gestão das suas carreiras, não perceberam a tempo que as sumidades que inventaram o euro não deixaram nenhum Plano B de saída de emergência. Estamos como aqueles pilotos do início da I Guerra Mundial, que iam para o combate sem pára-quedas. Para o euro não existe artigo 50, nem saída ordenada. Se e quando a hora do fim chegar, será uma trapalhada monumental…

Contudo, se é verdade que o euro não permite voltar atrás, também é verdade que desde o Relatório Delors (1989), e até mesmo no velhinho Plano Werner (1970), sempre existiu a promessa de uma porta para diante: completar o euro, com um orçamento comum, suficiente para permitir transferências financeiras entre regiões mais ricas e mais pobres, para acudir a choques assimétricos sem chamar o FMI, para a partilha da despesa social da União com os Estados, para a cooperação fiscal (impedindo a actual concorrência desleal entre Estados que leva à perpetuação de paraísos e dumping fiscal). Finalmente, a porta levaria ao upgrade da zona euro para uma união política, sem o que tudo o resto assentaria em castelos no ar. O problema que se arrasta há demasiado tempo é que a Alemanha, que nos anos mais pujantes de Kohl era a campeã da união política, meteu a viola no saco e encostou-se à porta do futuro do euro, bloqueando-o. Transformou um período de transição, num estado permanente. O resultado é desolador e ameaçador pela sua insustentabilidade. Os “coletes amarelos” – sintoma social da crise profunda de uma globalização agravada pela engenharia tortuosa do euro – concretizaram o notável prognóstico avançado por um prometedor jornalista, de nome Paulo Portas, em 1994: “(…) a União Económica e Monetária abriria, sobretudo no mundo do trabalho, uma séria crise de fé na ideia europeia”. Por essa Europa fora, o eleitorado que antes votava comunista, socialista e estava sindicalizado, entrou numa deriva onde o voto na extrema-direita aparece no menu do protesto, como se vê em França, na Itália, e mesmo em Espanha. Quando a pobreza deixa de ter um horizonte de saída, como ocorre demasiado na Europa do monetarismo do euro, sobra em raiva o que falta de razão.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de 12 de Janeiro de 2019, p. 33.

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