A “crise política” aberta pela questão da contagem do tempo de serviço dos professores foi o alibi perfeito para impedir qualquer espécie de debate sério e consistente sobre o modo como o futuro do país depende, visceralmente, do futuro da União Europeia. E isso não seria uma fatalidade. Aprofundar as razões que explicam porque milhares de milhões de euros emprestados aos bancos, sem qualquer garantia de efectivo retorno, são aceitáveis para o orçamento nacional, enquanto uma fracção mínima dessa quantia, em massa salarial, seria disruptiva para o equilíbrio das contas públicas, poderia ser um exercício intelectualmente esclarecedor, perfeitamente integrado no âmbito das eleições europeias em que nos encontramos. Ser capaz de discutir essa aparente contradição levaria o debate político ao labirinto da tenazmente persistente crise europeia, e à necessidade de pensar as reformas indispensáveis para a superar. Mas falar a sério da Europa não faz parte da nossa cultura política. A direita e o PS não querem olhar para o minotauro financeiro que se esconde nesse labirinto. A outra esquerda fala no assunto, apenas como pedrada retórica. Fica-se pelo protesto, sem esboço sequer de alternativa realista (“romper com as regras do euro”, como repete o PCP, é um atestado da irrelevância política de quem o propõe). Alegre e até consensualmente, os partidos dedicam-se aos jogos florais da intriga doméstica, e os cidadãos respondem com a costumeira indiferença.
Na verdade, a elite política portuguesa limita-se a fazer o que sempre fez. Surfar nas ondas europeias, sem se preocupar com uma análise atenta das condições meteorológicas. Entrámos no comboio europeu em 1986, quando o maquinista Delors o estava a acelerar para o seu salto qualitativo, que levaria ao euro e às raízes da sua actual crise existencial. Assinou-se o tratado de Maastricht, em 1992, sem estados de alma, numa maioria absoluta de Cavaco. Seguiu-se em frente, aceitando o Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997, com Guterres, sem pestanejar perante o brutal contraste entre a dura disciplina orçamental imposta aos Estados e a leviana licenciosidade ofertada ao sistema bancário e financeiro. Os que lideraram tanto a queda no abismo em 2011, como o respectivo e doloroso resgate depois dela, parece terem passado incólumes por tudo. Sem nada terem aprendido. Sem de nada estarem arrependidos. Este governo entrou em cena, com uma barragem de desconfiança por parte das instituições europeias. Em pouco tempo, o tom crítico e reformista do discurso sobre a Europa, transformou-se numa estratégia de acomodamento, recompensada com a presidência do Eurogrupo. Portugal é de novo um oásis. Vítima do início da deriva europeia, que começou pela periferia, Lisboa prefere aguardar o resultado do duelo de gigantes, agora que a crise se instalou no coração da União Europeia. Com a Grã-Bretanha neutralizada, será entre Berlim, Roma e Paris que tudo se decidirá. No final de Maio, começaremos a saber como reagirá o oásis aos ventos fortes que se antecipam.
Viriato Soromenho-Marques Publicado no Diário de Notícias de 11 de Maio de 2019, página 31.