SANÇÕES À RÚSSIA OU “FOGO AMIGO”?

Não é preciso ser praticante de artes marciais orientais para compreender que num combate temos de ser capazes, não apenas de antecipar os golpes do adversário, mas também de evitar que a desmesura da nossa resposta possa favorecer o nosso oponente. A questão da análise das sanções energéticas à Rússia carece, claramente, de uma avaliação de risco.

Desde pelo menos 2007, quando a Comissão Europeia (CE) lançou a sua estratégia de Energia e Clima, que o tema da dependência europeia da Rússia em combustíveis fósseis (carvão, crude e gás natural) era objeto de ponderação crítica. Países como a Alemanha foram frequentemente alertados para o perverso efeito retardador que essa dependência implicava para uma descarbonização mais rápida, assim como para o risco de uma eventual rutura de abastecimento poder ser usada como chantagem política pelo Kremlin. Hoje, a situação inverteu-se. Com a invasão russa da Ucrânia é a UE que pretende cortar amarras com os fornecimentos russos, de modo a enfraquecer financeiramente o esforço de guerra de Moscovo. O que está em causa em matéria de importações energéticas da UE, será substituir 54% de todo o carvão, 29% de todo o crude e 43% de todo o gás natural. Das múltiplas dificuldades, destaco 3 das principais: a situação dos países dentro da UE é bastante diferente, como se viu em relação à decisão de reduzir em 90% as importações de crude; o combustível que mais lesaria a Rússia (o gás natural) é também o mais difícil de substituir (a Alemanha importa 55% e a Itália 44%); as sanções deveriam ser desenhadas de modo a causar um dano maior ao sancionado do que ao sancionador, o que neste momento está longe de ser líquido.

A CE apresentou as receitas que a Rússia poderá perder com as sanções, baseadas em cálculos do passado, mas faltam os cálculos sobre as perdas atuais e potenciais dos países e dos consumidores (empresas e cidadãos) da UE no curto e no médio prazo. Com efeito, a invasão de Putin tem sido uma bênção, não apenas para os produtores de armamento, mas também para as empresas energéticas com maior impacto ambiental e de risco tecnológico (fósseis e nuclear). Os pacotes de sanções da UE têm sido saudados pelos mercados de energia como uma luz verde para aumentos de preços especulativos, que a lógica neoliberal dos nossos governos se limita a atenuar com melancolia. O impacto das sanções parece correr em duas temporalidades que são idênticas no calendário, mas substancialmente diferentes nas consequências. Para os consumidores da UE, os seus efeitos são instantâneos e dolorosos, levando a perda de rendimento e prejuízos empresariais. Para a Rússia, pelo contrário, a tese dos advogados das sanções, asseverando que Moscovo sucumbiria na capacidade militar sob o peso desses duríssimos castigos, tem sido desmentida pelos factos. As sanções têm trazido um bónus para Moscovo, com o aumento do valor de mercado das suas exportações. É, aliás, notável verificar que, mesmo com as outras sanções de âmbito financeiro, o rublo está a apreciar-se face ao dólar e ao euro, atingindo cotações bem anteriores à guerra, enquanto o euro caiu face ao dólar, tornando assim ainda mais penosos os custos da energia. A guerra que Putin começou colocou a humanidade à beira do abismo. Esperemos que as sanções economicamente incompetentes, e a ausência de prudência política nas respostas do Ocidente, não contribuam para dar o passo em frente que falta.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de 4 de Junho de 2022

Subscribe
Notify of
guest
0 Comments
Inline Feedbacks
View all comments