O ACORDO DE PARIS NÃO É UMA FESTA

A conferência climática a decorrer no Dubai (COP28), à semelhança de todas as outras que ocorreram depois da aprovação do chamado Acordo de Paris (doravante AP), em dezembro de 2015, na COP21, não poderá ser outra coisa senão um fracasso. Não por falta de habilidade negocial dos diplomatas, ou por falta de empenho dos milhares de ativistas presentes no evento, mas pelo facto de o AP ser um nado-morto. Uma simulação de tratado, programado para fracassar. Poucos dias após a sua aprovação, identifiquei aqui o seu defeito invencível: “O que aconteceu em Paris envolve uma contradição que se pode tornar insanável. Por um lado, aumentou a ambição (pretende-se conter o aumento máximo de temperatura abaixo de 1,5ºC, em vez dos anteriores 2.ºC) (…). Nessa medida, todos os países se vinculam a efetuar e rever regularmente planos nacionais para reduzir as suas emissões. Contudo, as metas de redução não são vinculativas. “(DN, 14 12 1015). Oito anos depois, a ambição fantasista está à vista de todos. A meta dos +1,5ºC, em relação ao período pré-industrial (1850-1900), será atingida já no final desta década, ou no início da década de 30. A análise dos objetivos nacionais voluntários aponta não para uma redução de 45% das emissões de gases de efeito de estufa (GEE), em relação a 2010, mas para um aumento de 10,6% em 2030. Em vez de neutralidade carbónica para 2050, a Agência Internacional de Energia aponta para uma dependência global dos combustíveis fósseis ainda de 60%. Isso significa, que uma criança nascida nesta década poderá chegar ao último quartel do século XXI num planeta infernal com +4ºC em relação ao período pré-industrial…

Na minha leitura, o AP é hoje, não o instrumento, mas o principal inimigo da Convenção Quadro da ONU para as Alterações Climáticas de 1992 (UNFCCC). As Convenções estão para os países que as ratificam como as leis nacionais para os cidadãos. Definem metas que precisam de objetivos concretos para fazerem a diferença. As leis nacionais têm portarias, os tratados internacionais possuem protocolos. Foi isso que aconteceu com a Convenção de 1992, que em 1997 recebeu um protocolo, aprovado em Quioto. Mesmo com Al Gore como vice-presidente, e um defensor do protocolo, o Senado dos EUA organizou uma ação de oposição preventiva, que passo a explicar. A Constituição federal dos EUA obriga a que todos os tratados inter­nacionais, assinados pelo Presidente, sejam ratificados por uma maioria de dois terços do Senado. Ora, logo em 25 de julho de 1997, meses antes da apro­vação do texto do Protocolo de Quioto, em 11 de dezembro de 1997, o Senado passou por unanimidade uma Resolução (95 votos a favor e 0 votos contra) que constituía um ultimato a Clinton e Al Gore. Com efeito, dois influentes sena­do­res, Robert Byrd (democrata, tristemente famoso pelo seu racismo) e o republicano Chuck Hagel, advertiam o Executivo para a frontal recusa do Senado de qualquer protocolo que excluísse países em vias de desenvolvi­mento de obrigações de redução de emissões, na base do argu­mento de que tal acordo acarretaria para os EUA “significativa perda de empregos, desvantagens comerciais, crescentes custos na produção e consumo de energia (…)”. A mensagem era clara: os senadores faziam depender a ratificação norte-americana do protocolo de Quioto – que definia uma redução global das emissões de gases causadores do efeito de estufa em 5,2% no período de 2008 a 2012, tendo 1990 como ano de referência – do envolvimento de países em vias de desenvol­vimento, como a China, a Índia e o Brasil, em metas concretas de redução para o mesmo período temporal.

Ora, uma tal pretensão iria inteiramente contra o Princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, peça fundamental na diplomacia e direito internacional de ambiente. Ele consagra uma discrimina­ção positiva, por razões de justiça histórica, dos países em vias de desen­volvimento. Essa distinção está presente tanto na Convenção de 1992 como no protocolo de 1997: Os países industrializados são aqueles para os quais, numa pri­meira fase, os objetivos de redução têm força legal vinculativa. Um exemplo atual: as emissões históricas da China (18% da população mundial) correspondem a 13% do total de GEE, enquanto os EUA (4% da p.m.) emitiram 19% desse total. Em 2014, Obama quis fazer regressar os EUA ao lado certo da luta climática. Contudo, ele sabia de antemão que o Senado, controlado pelo Big Money, jamais ratificaria um protocolo de Paris, com objetivos vinculativos e mecanismos de supervisão e penalização dos infratores. Por isso, o AP trata a questão existencial da habitabilidade do planeta como um tema menor, deixado ao arbítrio de cada país. Para o Senado dos EUA, o AP é uma mera ordem executiva, que nem merece votação, por não comprometer ninguém, nem obrigar a nada. Deveríamos ter vergonha de sermos figurantes nesta farsa. Para salvar a Convenção teremos de abandonar o AP e seguir em frente com aqueles que querem seriamente resgatar o futuro.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias na edição de 2 de dezembro de 2023, página 16

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