GRETA THUNBERG: EM NOME DO FUTURO

Um dos mais notáveis conceitos desenvolvidos por Hannah Arendt (1906-1975) foi o de “natalidade”. A natalidade seria a categoria central da filosofia política, opondo-se à “mortalidade”, que constitui o tema crucial da metafísica, numa linha onde encontramos “a aprendizagem da morte”, de Montaigne, ou o “ser-para-a-morte” de Heidegger. Para Arendt, cada nascimento implica a “capacidade de começar algo de novo”, isto é, a possibilidade da acção. O campo da política é precisamente esse: o agir dos humanos no mundo comum que pelo trabalho e pelas obras se vai construindo. Contudo, só pela acção, entendida como uma relação directa entre seres humanos por palavras e actos, é que é possível escolher a mudança. Só a acção política nos devolve a possibilidade de nos assumirmos como sujeitos do nosso destino, e não como escravos dos nossos próprios instrumentos.

Há décadas que as elites sabem estarmos a caminhar- como sociedade, como regime político, como sistema económico, como actores individuais – para uma explosiva situação global de beco sem saída. A actual gramática da nossa prosperidade está organizada num jogo de soma nula com o Planeta. Já sabemos como seria possível mudar, para viver em paz nesta e com esta nossa única casa, que nos abriga de um universo infinito, hostil e desolado. Contudo, a mesquinha usura de quem manda deixa que PIB mundial cresça na proporção exacta em que destruímos o frágil software que faz da Terra um oásis único de vida e beleza, sem paralelo nem alternativa. A biodiversidade desvanece-se (agora até os insectos estão em risco), a química da atmosfera altera-se contra a vida, transformamos o Oceano numa lixeira cada vez mais ácida. A Natureza está em risco, e nós procrastinamos. Como se fossemos células malignas de uma neoplasia planetária. É das maiorias que nós formamos, que saem líderes venais e brutais para os governos, para as indústrias, para os bancos. O crescimento, gerador de fortunas pornográficas e bilionários-gangsters, vai devorando o futuro. A história transformou-se numa guerra de gerações. E os vivos e os velhos estão a “ganhar” contra os que ainda não nasceram, e os mais jovens.

É em nome de um futuro com dignidade, que desde Agosto de 2018, uma jovem sueca, então com 15 anos, Greta Thunberg, começou a fazer greve às aulas todas as sextas-feiras, exigindo a transformação do combate às alterações climáticas na prioridade política absoluta. Começou sozinha, mas hoje o seu exemplo cresce como uma bola de neve global. Os estudantes belgas amplificaram o seu gesto, e hoje as greves das sextas-feiras estão por toda a Europa, prevendo-se uma acção mundial para dia 15 de Março. O leitor pode ver e escutar Greta. Seja na leitura de discursos escritos, seja na timidez inteligente que manifesta nas conferências de imprensa. Ela é o rosto do mistério da natalidade. De que os valores podem prevalecer sobre a sua corrupção. De que a humanidade e o seu futuro talvez ainda possam ser redimidos. De que talvez a coragem ética possa vencer a cupidez e o medo.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no “Diário de Notícias” de 2 de Março de 2019, página 31.

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