EM NOME DE TODOS

Na história da humanidade os momentos de mudança positiva ocorrem quando a cooperação se sobrepõe à competição. Não foi preciso a pandemia para termos consciência de que esta globalização com pés de barro há muito estava a entrar numa trajectória de desagregação. Há 40 anos o planeta embarcou num modelo de futuro baseado numa premissa, duplamente, indesejável e irrealista. Indesejável, porque estava baseada numa paupérrima concepção antropológica do homem como mero produtor e consumidor de mercadorias. Irrealista, porque uma economia fundada no objectivo do crescimento infinito, extractivista, devoradora de energia e redutora da complexidade da natureza a um “stock de matérias-primas”, nunca poderia resultar num sistema tão frágil quanto belo como é o do nosso planeta Terra.

O problema é que a apologia da competição económica transformou-se também no modelo político dominante. Isso, nas condições actuais de aceleração da crise ambiental e climática, agravadas ainda pela pandemia, implica enfraquecer e degradar a confiança mútua, que é o fundamento anímico para a justiça e as boas políticas públicas. Na UE, os interesses instalados dentro dos governos nem sequer precisam de pedir licença aos parlamentos para receberem apoios financeiros que depois os povos terão de pagar. Em Portugal, uma infelicidade pública chamada Novo Banco continua a receber dinheiro dos contribuintes (incluindo para bónus da administração) sem o próprio PM disso ter conhecimento. Paris e Berlim já estão a dar apoios de Estado às “suas” companhias aéreas. A Comissão Europeia prepara-se para autorizar aviões lotados, reduzindo ao mínimo as regras de segurança sanitária. Mas há sinais de esperança. A reacção mais esclarecida, firme e serena ao acórdão do Tribunal Constitucional Alemão (meu artigo DN de 9 de Maio) – que ameaça bloquear o programa do BCE de aquisição de dívida pública no mercado secundário, rompendo o único dispositivo monetário de correcção das assimetrias económicas dentro da zona euro – partiu de Peter Meier-Beck, nada mais, nada menos do que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Alemão (Bundesgerichtshof). Ninguém sabe para onde iremos, pois num mundo sem lideranças sábias só a cega relação de forças entre interesses e actores acabará por ditar o resultado final. Mas, tal como nos ensinou José Régio, temos de nos unir contra o que não queremos. Não queremos perder a dimensão europeia, apesar de hoje não existir um único dirigente capaz de pensar e agir em nome da União. Se perdermos a escala europeia não regressaremos ao Estado-nação, mas cairemos sem rede no tribalismo e na subserviência aos impérios, decadentes e/ou emergentes. Também não queremos que a saída da calamidade do covid-19, que deverá durar anos, seja feita à custa da aceleração da crise ambiental e climática, que devastará o futuro durante séculos. Se quisermos, os aviões ficarão em terra. Quando os Estados se rendem às forças do caos, cabe a cada cidadão o dever de representar a humanidade inteira.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado na edição do Diário de Notícias de 16 de Maio de 2020, página 26.

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Paulo Rodrigues

A UE não passa de uma ilusão que se transformou numa paródia de estado.
É absolutamente impossível unir 27 países em torno de um objetivo comum, pois o único objetivo comum era a paz e – tirando um ou outro sobrevivente de 1945 – ninguém tem memória da falta de paz.
Temos então apenas objetivos económicos e esses não são utopias.
São apenas contabilidade e cada um tem a sua contabilidade: os alemães tem a contabilidade do excedente, os países periféricos têm a contabilidade do deficit e da dívida, outros têm a contabilidade das oligarquias, outros a contabilidade dos paraísos fiscais, etc.
A contabilidade é a arte do deve e haver.
Para que um tenha 1€, o outro tem de ficar sem 1€.