ABRIR AS “JANELAS DE LIBERDADE”

Como é costume, muito do que é essencial ficará excluído do debate eleitoral. Contudo, uma realidade, progressivamente visível em 2024, será a transformação da integração europeia – a âncora mais importante do Portugal saído do 25 de abril – num processo cada vez mais incerto e perigoso. A degradação da UE acelerou na crise da Zona Euro, a partir de 2008. Até à chegada salvadora de Draghi ao BCE em 2011, o falecido Schäuble e Merkel, tomados de pânico, fizeram tudo para afastar Portugal e os países mais frágeis do acesso aos mercados financeiros. A dívida pública dos PIGS tornou-se o véu que disfarçava o gigantesco resgate dos seus próprios bancos e a deliberada anarquia em que o sistema financeiro funcionou nos anos iniciais do euro consentido por Berlim. Não é possível compreender a atual erosão das políticas públicas – da saúde à educação, passando pela segurança, defesa e justiça – sem perceber os efeitos persistentes da herança da troika. Os governos do PS aliviaram a austeridade direta sobre os rendimentos, praticada pelos governos PSD-CDS, mas transferiram-na para as cativações sistemáticas no orçamento de funcionamento das instituições, usadas a favor da redução da dívida pública. As consequências desastrosas estão cada vez mais à vista.

A UE mostrou a sua nulidade para agir coletivamente em torno da sua bandeira existencial, a defesa da paz europeia. Em vez de encontrar uma voz comum para a coabitação com a Rússia, foi cúmplice e instrumento na obstinação irresponsável dos EUA. A guerra foi a prova de fogo em que falharam as lideranças incapazes dos partidos socialistas e de centro-direita. Agora chegou a vez de, em países-chave como a Itália, França e Alemanha, a extrema-direita marcar a agenda. Só o caos financeiro que a rutura do euro provocaria impedirá a UE de sucumbir de morte súbita. Nada de bom se espera de partidos que têm o pior do passado europeu como programa de futuro. Haverá um aprofundamento do processo de renacionalização das políticas. Regressaremos à velha “balança da Europa”, com competição agressiva entre Estados. A Alemanha terá uma relação tensa com Paris e Varsóvia, à espera dos resultados das eleições nos EUA. Provavelmente, sofreremos remilitarização, recuos nas políticas ambientais e nas liberdades públicas. Seria de elementar prudência prepararmo-nos para o pior cenário. Seja qual for a sua dimensão, é de um risco de naufrágio da UE que se trata. Neste cenário desolador, o convite de Lula da Silva a Portugal, para participar na programação anual do G-20, durante a presidência brasileira dessa importante organização (ver texto do Embaixador de Brasília Raimundo Carreiro Silva, DN de 21 01 2024) soa como um contrastante sinal de esperança. A história de Portugal só foi possível por não termos aceitado a nossa condição europeia como fatalidade geográfica. Nas crises de 1640 e 1807, o Brasil foi decisivo para mantermos a nossa independência. Além do Brasil, todos os países da CPLP, constituem, como sempre afirmou Adriano Moreira, importantes “janelas de liberdade”. Diversificar relações corresponde à essência de um país que se consolidou a içar velas e deu rosto ao cosmopolitismo. Sem abandonar a luta para que as luzes não se apaguem outra vez na Europa, temos todas as razões para multiplicar interesses e futuros partilhados fora dela. Sobretudo com parceiros, agora numa base de igualdade e complementaridade, com quem partilhamos a língua e muitas memórias em comum.

Viriato Soromenho-Marques

Soromenho-Marques, Viriato, “Abrir as «Janelas de Liberdade»”, Diário de Notícias, 27 de janeiro de 2024, página 13.

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