UM FUTURO MINGUANTE

Nos últimos 30 anos mudámos a percepção sobre o futuro. A globalização, aberta pela implosão pacífica do império soviético, mobilizada pelo eclipse generalizado das ideias socialistas, incluindo no campo da social-democracia europeia (Blair e Schröder, por exemplo, enfraqueceram mais os direitos laborais do que os Tories ou a CDU/CSU), e por uma vaga autoconfiante de neoliberalismo, provocaram um triplo efeito: a) redução dos níveis globais de pobreza extrema, b) formação de “classes médias” nos países emergentes (sendo o caso da China, o mais significativo); c) diminuição continuada e sistemática dos rendimentos do trabalho face aos rendimentos do capital no PIB dos países ocidentais. Muito embora se tenham registado algumas melhorias no desempenho ambiental da indústria (diminuição da energia e das matérias-primas consumidas por unidade de riqueza produzida), a verdade é que o aumento do volume de produção anulou os benefícios ambientais líquidos. A economia mundial continua a seguir um modelo essencialmente extractivista, poluente, que coloca em causa a biodiversidade e o equilíbrio climático. A riqueza cresce, mas com um perfil generalizado de desigualdade crescente na sua distribuição. Se o facto de o índice de Gini para a desigualdade ser praticamente idêntico nos EUA e na Rússia não causa excessiva admiração, já o processo de maior desigualdade em muitos países da União Europeia é motivo de preocupação. As três décadas depois da II Guerra Mundial seguiram o caminho inverso às três décadas mais recentes, pois foram caracterizadas pela redução da desigualdade. Pelo contrário, hoje, multiplica-se o fenómeno dos “super-ricos”, uma espécie de híper-burguesia cosmopolita, a quem os Estados – cada vez mais frágeis e descapitalizados de conhecimento – prestam vassalagem, tolerando os paraísos fiscais e a fuga organizada aos impostos.

Durante os últimos três séculos a modernidade, inventada pela Europa, mundializou-se, e com ela, essa espécie de religião laica que foi a crença no progresso. Ela traduziu-se na confiança de que as linhas do tempo futuro coincidiriam com a satisfação de expectativas de crescimento individual e colectivo. A manifestação concreta dessa confiança habitava no bom funcionamento do elevador geracional-social, que fazia os filhos terem acesso a rendimentos e acesso a bens e formação cultural superiores aos pais. As excepções ocorreram apenas durante as guerras. Agora é diferente. Em tempo de paz, e em quase todo o Ocidente, as oportunidades de trabalho para os mais jovens, mesmo muito qualificados, são muito mais precárias no plano contratual, mais reduzidas em matéria de rendimento, e muitas vezes desfocadas em relação à área de formação. E o horizonte de mutação tecnológica do mercado de trabalho com a robótica e a inteligência artificial torna tudo mais incerto. O progresso material ilimitado seria sempre um mito, num mundo finito. O que não podemos abdicar é da justiça. E esse é um desafio formidável para a política democrática se não quisermos ser párias dentro das nossas próprias pátrias.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de 5 de Janeiro de 2018, p. 33.

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