No Verão de 1881, a recém-criada Sociedade de Geografia (1875) promoveu uma expedição de 42 cientistas e estudiosos de várias formações à Serra da Estrela. O grupo partiu da Santa Apolónia, estando a sua aventura bem documentada nas páginas do Diário de Notícias da época. Dez anos antes, já Antero de Quental, nas Conferências do Casino, denunciara o impacto das “conquistas longínquas” não só no despovoamento do país, como no nosso profundo desconhecimento acerca do nosso território. O povo que descobria com espanto o seu umbigo montanhoso, era o mesmo que, esgotados que foram os ciclos imperiais na Ásia e na América, se mobilizava para a corrida colonial a África, percorrendo e mapeando as imensidões terrestres entre Angola a Moçambique. O povo que chegou a Manteigas a cavalo, como quem chega a uma Amazónia de granito, foi também aquele que no século das Luzes estivera activo nas “viagens filosóficas”, Durante décadas a fio, naturalistas lusos percorreram imensas distâncias, descrevendo e documentando a fauna, a flora, o relevo, os grandes acidentes naturais, o curso dos rios. Alexandre Rodrigues Ferreira, com uma equipa de assistentes, realizou estudos no Brasil, entre 1783-1792. Num período quase coincidente, Manuel Galvão da Silva trabalhou em Moçambique (1783-1793). A mais longa exploração científica coube a Joaquim José da Silva, cujos trabalhos em Angola decorreram entre 1783 e 1808. Mais perto da metrópole, João da Silva Feijó efectuou estudos em Cabo Verde, e já não falo das viagens de estudo europeias de José Bonifácio de Andrada e Silva, o mais brilhante de todos.
Eduardo Lourenço identificou no âmago da nossa forma colectiva de ser e sentir, uma pulsão para nos evadirmos de nós mesmos e do nosso território. No seu livro fundamental, Labirinto da Saudade (1978), escrito quando as ondas de choque do PREC ainda produziam ecos, ele escreveu: “Chegou a hora de fugir para dentro de casa, de nos barricarmos dentro dela, de construir com constância o país habitável de todos, sem esperar de um eterno lá-fora ou lá-longe a solução que (…) está enterrada no nosso exíguo quintal.” Contudo, essa esperança do regresso a casa, cedo se desvaneceu. A mitologia irrealista que sempre tem alimentado as representações identitárias nacionais, celeremente se transferiu para outros horizontes externos, embora mais próximos. A nossa integração europeia foi feita sob a mesma fantasia de excepcionalidade, antes associada aos sonhos imperiais, revestindo agora a camisola do “bom aluno” europeu. O nosso “europeísmo” revelou um excesso de paixão e um défice de reflexão estratégica. Quisemos fazer parte do “pelotão da frente” do euro, sem discutir as regras do jogo. E aqui nos encontramos, talvez no período mais crítico dos últimos cem anos, em estado de permanente espera e expectativa. Continuando relutantes em incluir, objectivamente, o nosso território como parte orgânica dessa liberdade mínima, sem a qual um povo se arrisca a perder o direito a existir como realidade histórica.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias de dia 12 de Dezembro de 2020, página 8.