HAMILTON AINDA NÃO SE AVISTA

A nossa insaciável necessidade de boas notícias perante o espectáculo de uma UE que se arrasta à beira de uma crise em aceleração, levou algumas boas almas por essa Europa fora a saudar o projecto de um Fundo de Recuperação europeu, apresentado em videoconferência pela chanceler Merkel e pelo presidente Macron, em 18 de Maio, como sendo um “momento Hamilton” europeu, uma quebra por Merkel do seu tabu contra uma “união de transferência”.

Infelizmente, este novo projecto franco-alemão é apenas uma versão desmaiada da Declaração de Meseberg, assinada pelos mesmos dois protagonistas em 19 de Junho de 2018, e que terminou em nada. Em 2018, ainda se falava de um “orçamento para a zona euro” (uma proposta de Macron que Merkel demorou 9 meses a aceitar de modo timorato). Um orçamento comum da zona euro iria obrigar à reforma dos tratados, podendo aí falar-se da eventual constituição do embrião de um orçamento federal, vinculando fiscalmente cidadãos e empresas na formação do Tesouro europeu. Neste caso, o que é proposto, sempre numa linguagem muito ambígua, é um reforço do orçamento da UE, a partir de um empréstimo contraído pela Comissão Europeia tendo por base os recursos próprios da UE. Embora não seja indicada nenhuma alteração das fontes de financiamento do orçamento europeu, que persistem há décadas, suspeito que o simples inevitável aumento das contribuições dos Estados quando for necessário saldar o empréstimo no próximo quadro plurianual, irá levantar desde já obstáculos intransponíveis no Conselho Europeu de Junho (como a Holanda e a Áustria já anunciaram). Acresce que só o Conselho Europeu, e não o dueto do Reno, decidirá sobre qual a modalidade que assumirá a transferência das verbas para as regiões e sectores mais atingidos pela pandemia. A questão do equilíbrio entre subsídios a fundo perdido e empréstimos permanece em aberto.

O Plano que Alexander Hamilton (1755-1804), o primeiro e genial Secretário do Tesouro dos EUA, lançou em 1790 e 1791 não tem qualquer semelhança com estes jogos florais da pequena política europeia. Hamilton falava em nome de um governo cuja Constituição tinha sido estabelecida 2 anos antes. Com legitimidade eleitoral e capacidade fiscal. O seu plano era económico e transformacional, contendo três medidas fundamentais, duramente discutidas: a) mutualização de toda a dívida estadual (contraída durante a Guerra de Independência), transformada em dívida federal (trocando os títulos antigos por novos), restaurando a confiança dos mercados com o pagamento de juros e a promessa futura de vencimento; b) criação do Banco Nacional, com a missão de ser o credor de última instância para o frágil e desorganizado sistema bancário da época, e fonte de recurso para o financiamento público; c) criação de um plano de fomento industrial para o emprego e revitalização económica. Na UE de 2020, a única coisa certa é que até 5 de Agosto o relógio da contagem decrescente do ultimato do Tribunal Constitucional Alemão, ameaçando paralisar a acção crucial do BCE, continua a fazer tique-taque.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de dia 23 de Maio de 2020, página 24.

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Paulo Rodrigues

A “fake culture” das “elites” europeias já colocou em circulação, novamente, o embuste “mulheres e vinho”, preparando a opinião pública para o que virá a seguir.
Portugal tem cerca de 17% da dívida para pagar nos próximos 2 anos (apenas atrás da Itália, Espanha, França e Bélgica), pelo que em breve estaremos de novo com os novos episódios da “Grande Chantagem”.
Com a ausência de ação política, substituída por uma suposta disciplina imposta pelos mercados financeiros (que só existe nas cabeças dos euro-fofinhos), os investidores vão estar novamente na dúvida se o euro é para levar a sério ou não.
O pânico e o receio de perder tudo vai levar à subida dos juros da dívida a emitir, voltando nós aos “gloriosos” dias do final do “reinado” Sócrates, em 2011.
O início do século XXI já leva 20 anos de tempo perdido para Portugal, o que mostra que estamos a repetir a história da bancarrota de 1892, cujos efeitos se prolongaram até 1974 e quase pelos mesmos motivos – a ganância de meia-dúzia a sobrepor-se às necessidades de milhões.