O Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL) promoveu duas jornadas de reflexão sobre a primeira Conferência das Nações Unidas, realizada em Estocolmo, há 50 anos. Foi a ocasião para recordar, com olhar crítico e preocupações de futuro, os contributos pioneiros dessa conferência para uma consciência planetária sobre a crise global do ambiente. Os seus impactos em Portugal foram especialmente analisados, evocando-se personalidades marcantes como José Correia da Cunha ou Gonçalo Ribeiro Telles. O que me parece mais notável, contudo, é o contraste entre 1972 e 2022. Nessa altura a humanidade contava 3,8 mil milhões de almas. Hoje estamos à beira de 8 mil milhões de pessoas, lá para novembro. As alterações climáticas eram um tema de debate científico, mas ainda não tinham começado a mudar o mundo de modo caótico, pela simples razão de que cerca de 80% das emissões antrópicas de gases de efeito de estufa – a causa motora da mutação climática – só ocorreram depois de 1972. A diversidade biológica, apesar de muitas espécies já se encontrarem em perigo, era ainda pujante em comparação com a crítica situação da biodiversidade e dos ecossistemas em 2022. Mas a maior diferença parece-me residir no ânimo e na atitude. Em 1972, existia uma fortíssima esperança na capacidade humana para mudar o curso da história. Em 22 de abril de 1970, só nos EUA, mais de 20 milhões de cidadãos saíram às ruas a exigir políticas públicas de defesa do ambiente e da qualidade de vida. A 5 de junho de 1973, foi celebrado em todo o mundo o Dia Mundial do Ambiente. Existiam problemas globais, sim, mas reinava uma dupla esperança. Por um lado, a de que seria possível, uma habitação humana da Terra, que em vez de a destruir, respeitasse a sua generosa fertilidade sem ultrapassar os seus limites. A confiança, por outro lado, de que seria possível reconstruir o contrato social entre as nações e dentro delas fomentando mais justiça e igualdade.
As esperanças de 1972 confiavam na capacidade de iniciativa política, não apenas dos governos, mas também dos cidadãos. Pelo contrário, hoje, a política parece ter-se transformado num impotente observador de um destino que, de um modo ou de outro, se inclina para um desfecho fatal. A crise ambiental e climática ampliou-se ao ponto de já termos ultrapassado várias linhas vermelhas. Apesar dos tratados, reuniões, e muita retórica de boas intenções, caminhamos para aquele ponto em que a crise (que tem sempre uma porta de saída, se houver coragem e lucidez) se transforma em colapso. E como se isso não bastasse – ou talvez como sintoma de um misto de recalcamento e fuga para a frente, escondendo culpa e irresponsabilidade – as lideranças políticas em Moscovo e no Ocidente empurram os seus povos para uma guerra que cada vez mais parece estar condenada a transformar-se em imolação coletiva. Na Rússia, há gestos de resistência à mobilização de 300 000 reservistas decretada por Putin. No Ocidente, os protestos contra o imenso sofrimento e destruição que a incompetente guerra económica das sanções está a causar, irão continuar a crescer. Com Bruxelas dominada por uma demagogia belicista, talvez a Europa dos cidadãos e dos parlamentos nacionais se erga como o derradeiro reduto para tentar interromper esta contagem decrescente para uma catástrofe anunciada. Quem sabe se o “Inverno do nosso descontentamento”, evocando a citação que Guterres fez de Steinbeck, poderá recolocar a política ao serviço da esperança.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 24 de setembro de 2022, p. 9