ALÉM DA ANSIEDADE E DA INDIFERENÇA

A notícia mais importante da semana deveria ter sido a audiência no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, do processo movido em 2020 por seis jovens portugueses contra a ineficácia dos governos no combate às alterações climáticas. O Tribunal, reconhecido pelos países membros do Conselho da Europa, aceitou o caso, estendendo-o a 32 Estados, incluindo Portugal. No entanto, o maior tempo de antena foi concedido à ação de 3 jovens ativistas climáticas que atiraram tinta verde ao ministro do Ambiente. Duarte Cordeiro merece uma palavra de apreço, pois, perante uma agressão objetiva, nunca perdeu a serenidade e um registo de racionalidade argumentativa. Um limite fundamental de qualquer ação de desobediência civil deve ser o respeito pela integridade física das pessoas, e isso foi ultrapassado, prejudicando a bondade incontestável do protesto: a justa crítica à ausência de estratégia adequada à degradação ambiental e climática. Contudo, este é um daqueles casos em que importa compreender antes de condenar, contrariando a tendência, hoje dominante, para uma irrefletida indignação por capilaridade e instinto.

O essencial aqui em causa consiste em perceber o motivo comum que une os diferentes modos de protesto juvenil. É verdade que o risco de colapso ambiental e climático, avolumando-se no horizonte das próximas décadas, não vai deixar nenhuma faixa etária incólume. Contudo, 83% dos jovens entre 16 e 25 anos – como o mostrou um estudo de 2021 realizado em 10 países (incluindo Portugal), publicado na revista Lancet Planet Health – sofre de “ansiedade climática”, traduzida num sentimento de abandono pelo estado deplorável em que as gerações anteriores lhes deixaram a Terra. De facto, ao longo das últimas quatro décadas adiaram-se medidas que teriam permitido evitar o pântano em que hoje nos encontramos. A promiscuidade entre os interesses de uma elite económica global e os sistemas políticos criou uma dinâmica de crescimento destrutivo que é agravada, ainda, pelas ilusões que procuram disfarçar a ausência de respostas efetivas. O direito internacional é impotente, pois considera o clima como uma “preocupação da humanidade”, em vez de o reconhecer como um “património comum”, que exigiria obrigações aos Estados. O Acordo de Paris é risível, pois baseia-se em contribuições nacionais voluntárias. Constitui uma espécie de colónia de férias para os Estados, em comparação com a Organização Mundial do Comércio, que funciona como uma verdadeira casa de correção. No plano concreto, apesar de todas as COP e de muita retórica, a descida ao abismo continua. Em 2021, 82% da energia primária mundial era proveniente de combustíveis fósseis. No ano de 2022, os países do G20 mais do que duplicaram os subsídios aos produtores e consumidores desses combustíveis. No lugar dos objetivos do Acordo de Paris, de redução acelerada das emissões, a tendência atual aponta para o seu aumento em 10,6% até 2030. Por outro lado, em 2050, em vez de neutralidade carbónica, é provável manter, na oferta mundial de energia, uma dependência dos fósseis acima dos 60%. Para agravar tudo, quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de segurança da ONU substituíram a cooperação por uma guerra cada vez mais aberta…

Perante este quadro, agir civicamente é a alternativa à falsa escolha entre ansiedade e indiferença. Os atos desafinados de alguns jovens ativistas são pecados veniais em comparação com o pecado mortal sistemático dos adultos poderosos que lhes (e nos) roubam o futuro.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias em 30 de setembro de 2023, página 10.

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