VISÕES DA EUROPA NO ESTADO NOVO

A atitude de profunda desconfiança em relação a uma possível integração europeia foi dominante desde o início do regime iniciado em 28 de maio de 1926 (1). Contudo, falar de um isolacionismo do Estado Novo, como se fosse uma constante imutável, é uma lenda não confirmada pela investigação mais atenta. A dinâmica tensional de atração e repulsa em relação a uma aproximação à Europa contou com firmes defensores, em ambos os polos da tensão, no interior do regime que teve em Salazar e Caetano os seus líderes.

Apesar da manifesta desconfiança de Salazar para com os diversos momentos e facetas da integração europeia do pós-guerra, desconfiança fundada, aliás, em divergências doutrinárias sobre o papel histórico que o Estado-nação ainda teria a desempenhar no palco do porvir histórico, há traços muito nítidos de pragmatismo. Portugal apostou na EFTA, Associação Europeia de Livre Comércio, de que foi membro fundador em 1960. Em 1961, Portugal adere também ao GATT – Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras. O governo de Lisboa, apenas dois anos depois tentou negociar um acordo de associação com a CEE, sendo esta intenção apenas travada pela oposição do Presidente francês, Charles de Gaulle. Em dezembro de 1971, já no consulado de Marcello Caetano, Lisboa enceta negociações frutíferas com as Comunidades, que culminam em 22 de julho de 1972 com um duplo resultado: o Acordo de Comércio Livre Portugal-CEE, e o Acordo Portugal-CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), sobre produtos siderúrgicos (2).

Depois de 1945, Portugal procura seguir uma via dupla: manter a integridade do seu império, sem perder todas as oportunidades de crescimento ligadas à abertura da sua frágil e pouco competitiva economia a mercados mais vastos, sobretudo na Europa. Nesse sentido, os resultados foram bastante surpreendentes. Tendo como referência a medida do PIB de 15 países desenvolvidos, onde se incluem os EUA, a Austrália, e a Nova Zelândia, o rendimento per capita nacional estava na altura do desencadear da II Guerra Média nos 30% da média do agregado dos referidos países. Em 1973 esse valor já tinha subido para 50%. O período de mais intenso crescimento desde 1945 até à data presente, ocorreu entre 1960 e 1973, com uma taxa média anual de crescimento real do PIB de 6,5%, sendo que, devido à forte emigração que reduziu em 230 000 o número de residentes, o PIB per capita real subiu mesmo mais (6,7%) (3).

Compreende-se, por isso, o otimismo reinante no período inicial da “Primavera marcelista”. O quebra-cabeças da reforma democrática e da guerra em três frentes ultramarinas estava por resolver, mas o motor de um crescimento persistente dava alimento aos sonhos de convergência com essa Europa de alta civilização material. No dia 2 de fevereiro de 1972, José Correia da Cunha, engenheiro e geógrafo, um dos membros da Ala Liberal, e primeiro rosto da política de ambiente nacional, tomava a palavra para falar das “Necessidades e Perspetivas de Desenvolvimento da Económico no Contexto Europeu”.

Depois de passar em revista o estado da economia nacional, quase a concluir a sua intervenção, o deputado afirmava: “(…) No período de 1963 a 1969 a taxa de crescimento per capita do produto nacional bruto foi, no nosso caso (6,3 %), bastante superior à da Holanda (3,8%) ou à da Áustria (3,7%). Verifica-se, não obstante, que se estes ritmos se mantiverem, só atingiremos o atual nível da Holanda daqui a dezanove anos, e que se o seu crescimento se mantiver ao ritmo atual só alcançaremos este país daqui a cinquenta e três anos. Em relação à Áustria, este raciocínio conduz-nos a prazos de catorze e quarenta anos, respetivamente” (4). Infelizmente, cinquenta anos depois, a distância de rendimentos entre a Áustria e Portugal, que continua abissal, parece ser o menor dos problemas na nossa integração europeia, onde depositámos não só um elevado capital de soberania como a esperança de um futuro pacífico.

Referências

  1. Veja-se, por exemplo, como o “Plano Briand” (1929-30) para uma União Federal na Europa foi recebido friamente, devido à nossa lógica imperial: José Medeiros Ferreira, , Não há Mapa Cor-de-Rosa. A História (Mal)Dita da Integração Europeia, Lisboa, Edições 70, 2014, pp. 55-61.
  2. Acílio Estanqueiro Rocha, “Portugal, da Ditadura à Integração: 20 Anos na União Europeia”, España Y Portugal Veinte Años de Integración Europea, Rafael García Pérez y Luís Lobo Fernandes (coordenadores), Santiago de Compostela, Tórculo Edicións, 2007, p. 11.
  3. Luciano Amaral, Economia Portuguesa. As Últimas Décadas, pp. 98-9; Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas, Portugal: Os Números, Lisboa, FFMS, 2010, pp. 72-5.
  4. José Correia da Cunha, “Necessidades e Perspetivas do Desenvolvimento Económico de Portugal no Contexto Europeu”, Intervenção efetuada antes da Ordem do Dia da sessão n.º 156 de 2 de fevereiro de 1972, Assembleia Nacional, X Legislatura (documento dactilografado de 11 pp), p. 11.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias, edição de 8 de julho de 2023, página 10.

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