UMA PERIGOSA DANÇA DE CADEIRAS

No rescaldo destas eleições europeias é impossível não detectar um sinal de alívio. As constelações partidárias do “centrão” europeu, assustado e imobilista, foram justamente punidas, deixando de valer mais de metade dos deputados no Parlamento Europeu (PE). Na altura em que escrevo, o Partido Popular Europeu perdeu, em reacção a 2014, 38 deputados. Os Socialistas & Democratas caíram 35 deputados. Contudo, o correctivo, ao contrário do que muitos temiam, não se traduziu numa transferência de lugares para os nacionalistas-populistas. Estes tiveram vitórias esperadas na Itália (a maior), em França (a mais minguada) e no Reino Unido (que parece agora mais próximo de encontrar legitimidade para um segundo referendo, do que antes). A subida dos Verdes (17) e dos Liberais (37) obriga a alterar as grelhas de leitura. A subida do número de eleitores (8% em relação a 2014), a primeira em 20 anos, também tem nota positiva. O descontentamento dos europeus deixou de estar monopolizado pelo ressentimento daqueles que buscam em passados imaginários e na recusa do pluralismo e do respeito pelas diferenças, uma alternativa ao impasse europeu. A maioria dos europeus conta com a escala de uma União Europeia reformada para combater as grandes ameaças existenciais para o nosso futuro comum, de onde sobressai a crise ontológica das alterações climáticas.

Depois das eleições, a dança das cadeiras para os lugares de mando conhece uma aceleração. Como de costume, o Conselho Europeu irá provar que é ele quem manda. No actual quadro do PE será difícil que se repita a situação de 2014, quando este acabou por impor a sua solução para a Comissão Europeia. Contudo, o lugar mais importante é aquele que Mario Draghi vai deixar vago no BCE, no próximo mês de Outubro. Draghi tem sido uma espécie de motor imóvel e de seguro de vida para a eurozona e a própria UE. Desde Julho de 2012, ao compreender que o directório do Conselho Europeu não conseguia erguer-se para agir, Draghi substituiu a falta de uma política orçamental competente por uma activa política de financiamento monetário da economia europeia, que ajuda a explicar a actual baixa taxa de juro da dívida portuguesa. Draghi sempre disse que a energia e o activismo do BCE só tinham atingido uma intensidade elevada, porque os governos mais poderosos continuavam abrigados nas trincheiras do único nacionalismo que poderá matar a UE: o nacionalismo orçamental dos países excedentários que se recusam a aumentar o orçamento europeu, cristalizado em 1% do PIB europeu, mesmo depois da criação do euro. Neste momento, a imprensa alemã voltou a ressuscitar uma campanha para colocar Jens Weidmann, o presidente do Bundesbank, no lugar de Draghi. Há muitos anos que sigo, com curiosidade e espanto, o percurso de Weidmann. Uma figura de modos rudes, convicções fortes e ideias curtas, escudado apenas pelo grande país onde nasceu. A sua eleição para o BCE, com a caótica mudança que promete, faria a ameaça dos nacionalistas-populistas parecer uma brincadeira pueril.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias, na edição de 1 de Junho de 2019, p. 33.

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