UM ERRO APÓS OUTRO

Na sua célebre conferência de 1919 sobre a essência da política, Max Weber deixou-nos algumas reflexões que continuam a ser completamente válidas. Uma delas prende-se com o dilema ético que as encruzilhadas políticas decisivas colocam a quem tem de decidir. A paleta de opções desenhada por Weber está estruturada em torno do binómio: “ética da convicção” (Gesinnungsethik) versus “ética da responsabilidade” (Verantwortungsethik). Não se trata de uma dicotomia simplificadora do tipo correcto/incorrecto, mas de algo mais subtil. Ela prende-se com o modo como cada potencial estadista mede a relação entre a ideia que ele tem para o mundo e a textura e resistência que esse mundo tem perante a sua ideia. Saber estar à altura de uma encruzilhada exige do político uma visão de 360 graus e uma excepcional capacidade de escutar. Exige rigor de cálculo e articulação causal, mas também talento de antecipação e cenarização. A decisão competente tem de juntar determinação com humildade. Na história serão raras decisões puras, que obedeçam exclusivamente a um dos dois tipos éticos indicados por Weber. Uma decisão motivada exclusivamente pela ética da convicção poderá conduzir à violência, quando uma ideia de vida em comum é imposta a uma sociedade que maioritariamente a recusa. Pelo contrário, uma ética da responsabilidade, que começa por medir prudentemente as consequências negativas de uma apressada implementação das suas ideias programáticas, pode acabar refém dos seus adversários, afogada num reformismo que se transforma em situacionismo. Ao tempo de Weber, os casos do bolchevismo russo – com a sua vertigem armada que conduziu ao totalitarismo – e da social-democracia alemã – com a sua aliança às forças conservadoras derrotadas em 1918, que depois abririam o caminho ao nazismo – dariam exemplos fortes dos dois tipos de ética, pela ordem acima enunciada.

O BE e o PCP, depois de precipitarem eleições após a votação negativa do orçamento, têm vindo a inverter o fio temporal das causas e dos efeitos com uma narrativa que transforma o aviso prévio de Marcelo sobre o risco de dissolução da AR numa intenção conspirativa, que Costa aproveitaria para almejar a maioria absoluta. Trata-se da incompetente justificação de um erro somando-lhe outro. No dia decisivo da votação, o BE e o PCP pareciam movidos pela ética da convicção, colocando a intransigência nos princípios acima de qualquer outra consideração. Agora que é claro ter a recusa do orçamento, conduzido a uma espécie de automutilação da capacidade de influência do BE e do PCP, estes procuram explicar-se, num simulacro de ética da responsabilidade, alijando para Marcelo e Costa uma culpa pela dissolução da AR que é inteiramente sua. Acusar os adversários ou aliados pelos nossos erros é uma caricatura de responsabilidade destinada a reduzir os danos de uma anterior e imprudente convicção. Numa altura em que os interesses instalados se preparam para aproveitar não só o PRR, mas também a entropia crescente do Estado, num quadro geral de carestia energética e alimentar, num contexto de deslaçamento europeu e de persistência pandémica, o BE e o PCP decidiram complicar ainda mais a situação do país, criando uma encruzilhada em que correm o risco de ser afastados do processo de decisão política futura. Apenas poderão queixar-se de si próprios, se os eleitores os deixaram ficar na margem para onde, voluntariamente, se deixaram escorregar.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado na edição do Diário de Notícias, de sábado dia 13 de Novembro de 2021, página 10.

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