TRÊS PERIGOS NO CAMINHO

Em 1870, enquanto se travava a guerra entre a Prússia de Bismarck e a França de Napoleão III, João de Andrade Corvo (1824-1890) escreveu um dos mais lúcidos ensaios de sempre sobre os riscos que Portugal enfrentava na cena internacional. Deu-lhe como título, Perigos, seguido de um subtítulo: Portugal na Europa e o Mundo. Esta breve meditação – com o olhar partindo do passado, mas projetado para diante – inspira-se nesse título e partilha com Andrade Corvo o mesmo sentimento de preocupação com o destino nacional.

O primeiro perigo que Portugal enfrenta é o das consequências do avanço, até agora irreversível, da crise global do ambiente e clima. Só uma concertada ação mundial de longuíssimo prazo poderia atenuar o ritmo da destruição em marcha. Para a reverter, teríamos, como comunidade internacional, de substituir uma economia baseada na distopia do crescimento infinito e do consumo imoderado, por outra fundada numa relação de simbiose com o ambiente e consumo suficiente. Não estamos, sequer, a fazer os mínimos. Continuarmos, no nosso país, a delapidar os solos e a degradar a biodiversidade, em troca de ganhos privados de curto prazo.

O segundo perigo consiste na nossa passividade perante o erro mais grave cometido na nossa integração europeia. A adesão à zona euro foi o resultado de um entusiasmo não suportado por meditação esclarecida. O modelo neoliberal e monetarista do euro, violou as regras de qualquer união monetária funcional, a saber, a prioridade de uma união política de base constitucional capaz de legitimar um verdadeiro orçamento europeu, com um mínimo de 5-7% do PIB agregado. Só isso permitiria transferências orçamentais para enfrentar situações de choques assimétricos, apoiar políticas sociais, ou financiar programas à escala europeia. Se Portugal tivesse optado por ficar na UE, garantindo, contudo, o essencial da sua soberania monetária, não teríamos acumulado os desequilíbrios da balança externa de pagamentos (que Vítor Constâncio, à frente do Banco de Portugal, negligenciou). Na hora da crise, em vez da unidade, triunfou o caos da fragmentação financeira entre países com a mesma moeda. Perdemos a capacidade de alterar a taxa de câmbio da nossa moeda, sem termos uma compensação orçamental adequada (os fundos estruturais e os PRR são meras panaceias). Se continuarmos conformados com as regras do jogo da UEM, estaremos condenados à austeridade. Seja ela, rude e direta, como nos últimos meses de Sócrates e nos anos de Passos, ou, indireta (sobre as instituições), como nos anos de Costa.

O terceiro e mais iminente perigo, reside na escalada bélica, sobretudo na Ucrânia. Esta guerra está a ser alimentada com sangue ucraniano e dinheiro ocidental, não para permitir uma vitória ucraniana, impossível desde o início, mas para causar danos humanos e materiais à Rússia, satisfazendo, simultaneamente, o complexo industrial-militar ocidental. O novo governo é igual ao anterior. Faz seu, o interesse dos poderosos, colocando-nos em rota de colisão direta com a Rússia. É uma servidão que nos envergonha e nos empurra, irresponsavelmente, para uma linha de fogo que poderíamos e deveríamos evitar.

Viriato Soromenho-Marques

Soromenho-Marques, Viriato, “Três Perigos no Caminho”, Diário de Notícias, 25 de abril de 2024, página 25.

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