A Madeira situa-se na região biogeográfica da Macaronésia (arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde, e algumas zonas do litoral norte-africano), destacando-se pela sua floresta de Laurissilva, que a UNESCO classificou em dezembro de 1999 como de interesse mundial. A Laurissilva madeirense, composta por espécies como o til, vinhático, loureiros e os raros cedros, é uma relíquia viva de uma floresta outrora dominante numa vasta zona que se estendia a grande parte da Europa meridional. Quem quiser estudar a história da consciência ambiental e das políticas públicas de conservação da Natureza e de ordenamento do território no Arquipélago da Madeira, a partir da Era da Autonomia aberta pela Revolução do 25 de Abril e pela Constituição de 2 de Abril de 1976, irá sempre deparar com a palavra dita e impressa de um nome incontornável, Raimundo Quintal (doravante: RQ). Autor e cidadão incansavelmente atento e construtivamente interveniente. Doutorado em Geografia pela Universidade de Lisboa, de cujo Centro de Estudos Geográficos é investigador, tem produzido um vasto labor tanto de investigação como de divulgação, traduzido em livros, artigos e programas de televisão, e um imenso e generoso trabalho associativo e de educação ambiental. A botânica, a história do povoamento, as alterações de uso do solo, as forças plásticas da natureza modelando a paisagem, mas sobretudo as agressões e os desmandos de más políticas sobre o delicado ecossistema do arquipélago da Madeira têm sido o seu constante objeto de trabalho e intervenção críticas, mas sempre propositiva e construtiva.
Os Jardins da Macaronésia. Se existe alguma atividade que condensa os talentos e competências de RQ é o seu profundo conhecimento da flora e o modo como este se projeta na conservação ou criação de jardins. Isso tornou-o hoje numa autoridade em botânica e desenho de jardins. Durante o seu desempenho como vereador no município do Funchal, deve destacar-se a criação do Parque Ecológico do Funchal, com os seus 1 000 hectares, que têm sido cuidados com o desvelo de um jardim pela associação cívica criada pelo próprio RQ depois de ter saído dessas funções políticas. Também de enorme importância se reveste a construção do Passeio Público Marítimo entre o Lido e a Praia Formosa, onde os detalhes botânicos também não foram esquecidos. Igualmente relevantes foram: a construção do Jardim do Almirante Reis, que ocupa um hectare no núcleo histórico de Santa Maria, onde anteriormente funcionava um degradado parque de estacionamento; a recuperação do Parque Municipal do Monte, construído nos finais do século XIX e que se encontrava bastante degradado; e a criação do Jardim de Plantas Aromáticas e Medicinais no terreno anexo ao Museu de História Natural. Como especialista, o seu trabalho tem sido requisitado por importantes hotéis na Madeira, mas também por entidades e instituições públicas e privadas no resto do país. Tais são os casos das intervenções no Jardim Botânico José do Canto, em São Miguel, Açores, assim como os seus estudos sobre o jardim da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, espelhados no livro mais importante até agora publicado sobre esse belo espaço verde de Lisboa. Tanto nos seus numerosos escritos sobre jardins, como nas suas visitas guiadas, RQ não trata apenas de oferecer um elenco exaustivo da flora e fauna dos jardins. O mais raro e precioso é o convite endereçado ao leitor e/ou ao visitante para estabelecer com as plantas, com cada uma delas, uma relação de diálogo e de acompanhamento. Um método de proximidade que nos revela o jardim como experiência interior. Que nos ajuda a florescer, também, como seres humanos.
300 Árvores da Madeira. Neste seu mais recente trabalho, RQ, oferece-nos um belíssimo e sábio roteiro, numa ótica de fitogeografia, de três centenas de árvores que ocorrem na Madeira. Como escreve Maria Eugénia S. de Albergaria Moreira no prefácio, esta obra “é mais uma joia da literatura botânica, com uma apresentação sucinta da identidade das plantas criteriosamente escolhidas, bem como da sua origem geográfica, e das fases da sua vida, em especial do período de floração.” Para além de um auxiliar precioso para quem queira (re) visitar a Madeira, maravilhando-se com uma diversidade natural que tem de ser respeitada e preservada, este livro espelha bem como a pluralidade arbórea da Madeira se harmoniza inteiramente com o caráter cosmopolita da história madeirense, com os permanentes movimentos migratórios, de saída e de acolhimento, que a têm caracterizado.
Raimundo Quintal, Raimundo (2022) Ilha da Madeira – 300 Árvores (edição bilingue português e inglês), Letras Lavadas Edições, Ponta Delgada, 360 pp., PVP € 32, 00.
Viriato Soromenho-Marques