Em 2017 os gastos com a defesa nos países da União Europeia tiveram um aumento superior a 3% relativamente ao ano anterior. Mesmo em 2016, os gastos militares da UE totalizaram 200 mil milhões de euros (1,3% do PIB, ou o dobro do investimento em protecção ambiental). Em termos comparativos, e deixando de lado os EUA – que são de um outro planeta em matéria de defesa (o gasto dos EUA é superior à soma da despesa dos 7 países que se lhe seguem) – a despesa da UE em 2016 foi superior à da China (189 mil milhões de euros) e mais de 3 vezes a despesa da Rússia (60 mil milhões, valor, aliás, que em 2017 caiu 20%). O que significa então todo este alarido com a necessidade de aumentar o esforço na defesa europeia?
O recente afã de Merkel e Macron com um exército europeu traduz a amnésia e superficialidade crónicas dos políticos europeus, confundindo o essencial com o acessório. A questão da defesa europeia não é, nem só nem fundamentalmente, um problema de mais armas e mais euros, mas um problema de estratégia política. É claro que a indústria bélica, desde o gigantesco “complexo militar-industrial” dos EUA às congéneres europeias, aplaude mais dinheiro dos contribuintes para encomendas militares… Mas isso é mercearia, não é política de defesa! Política de defesa, mas em sentido negativo, foi a permanente incapacidade europeia, primeiro de construir um exército europeu (apesar do patrocínio de Washington) entre 1950 e 1954, no âmbito da falhada Comunidade Europeia de Defesa, e depois o repetido insucesso em criar uma “personalidade europeia” no âmbito da NATO. Irresponsabilidade imperdoável, foi a abolição do Serviço Militar Obrigatório em quase toda a UE (com escassas excepções) com o vil objectivo partidário de conquistar o voto jovem, como se a paz perpétua estivesse assegurada. A tempestade Trump causou um sobressalto, deixando os líderes europeus num estado semelhante aos adolescentes que são afastados prematuramente da casa paterna. Fazer política de defesa significa identificar as ameaças, sem isso a compra e produção de armamento é puro despesismo. Será que a Rússia é uma ameaça directa e iminente? Só uma mente distorcida poderá acreditar que, em caso de indiferença dos EUA, a Rússia poderia fazer chegar rapidamente as suas divisões blindadas a Paris. Pelo contrário, sem gastar um cêntimo, apenas com um plano estratégico-táctico de racionalização do uso das suas actuais unidades militares, a UE estaria em condições de neutralizar qualquer ameaça russa convencional, e até de poder passar à ofensiva se necessário. Então qual é o nosso problema? O problema de sempre: a falta de confiança mútua entre os Europeus. Assim como na hora da grande crise financeira, que as regras franco-alemãs da UEM ajudaram a agravar, o directório Merkel-Sarkózy em vez da solidariedade trouxe o FMI e uma austeridade tão cruel como absurda, temos fortes razões para temer que, com os EUA de fora, se a Rússia atacasse, por exemplo, a Letónia dificilmente as FFAA alemãs (Bundeswehr) iriam verter uma gota de sangue para reconquistar Riga. Ou pior ainda, como o poder convencional da Rússia não está à altura dos exércitos europeus, em caso de tensão extrema, o mais provável seria a chantagem nuclear de Moscovo sobre Berlim. Não sei se haverá alguém na Chancelaria junto ao Spree capaz de colocar a mão no fogo pela protecção da force de frappe gaulesa, nessa eventualidade? Se a UE, fatigada e assustada, quiser saber quem verdadeiramente a ameaça, bastará mirar-se ao espelho.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado originalmente no Diário de Notícias, 16 de Dezembro 2018, p. 27.