PORQUE FALHAM AS CONFERÊNCIAS CLIMÁTICAS?

Os documentos finais da COP27, consentidos já no habitual período suplementar que estas conferências sempre têm, não chegam para disfarçar o insucesso que nunca deixou de estar fora do radar. A proposta de criação de um Fundo para compensar os países em vias de desenvolvimento mais vulneráveis pelas perdas e danos causados pelos eventos meteorológicos extremo – decorrentes da brutal intrusão antrópica no complexo e frágil sistema climático do planeta – não passa de uma intenção, como todas as outras do passado. Basta recordar o pacote anual de 100 mil milhões de dólares prometido para realizar a Agenda 21 na Conferência do Rio em 1992, e que nuca foi cumprido. Sobre a mitigação, isto é, os compromissos atualizados de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), a COP27 não fez qualquer progresso.

Este ano de 2022 tem sido uma festa para o sector das energias fósseis em todo o mundo. Não admira que 600 lobistas (ou mercenários?) do carvão, do petróleo e do gás natural se tenham inscrito, alegremente, na COP27 para tentar sabotar uma reunião que, como explicarei de seguida, já está inquinada, pelo menos desde 2015, data da assinatura do Acordo de Paris. Desde a invasão russa da Ucrânia, os lucros do complexo mundial das energias fósseis duplicaram. A culpa não é só de Putin, mas da resposta descabelada do Ocidente, com sanções que, além de aumentarem o sofrimento social nos próprios países, alimentam a sanha especulativa e os ganhos das empresas, turbinadas pelas novas encomendas de carvão, petróleo e gás, que não revelam qualquer preocupação ambiental e climática por parte dos governos das democracias pouco esclarecidas em que vivemos. A exploração do carvão intensificou-se, até em países europeus como a Alemanha, que têm lutado pelo abandono desse que é o mais poluente dos combustíveis fósseis. As encomendas de gás natural liquefeito (GNL) até 2050, de acordo com contas feitas pela dócil Agência Internacional de Energia, poderão conduzir a emissões acumuladas de 40 gigatoneladas de GEE, ou seja, 10% do orçamento de carbono disponível, antes de entrarmos numa deriva climática. Quanto ao petróleo, estão a ser construídos, ou aprovados, mais 24 000 Km de oleodutos.

Quatro causas de um insucesso programado

A primeira razão pela qual as negociações climáticas falham, prende-se com a profunda doença das nossas democracias, e a anarquia do sistema internacional. Os nossos governos trabalham no curto prazo, enquanto os desafios ambientais e climáticos se estendem num horizonte multigeracional. As chancelarias são eleitas pelos votos dos eleitores, mas respondem sobretudo pelas teias de poderosos interesses privados, bem incrustados nos gabinetes e parlamentos. Os problemas ambientais e climáticos, cuja gravidade vai crescer com o tempo, têm escassos advogados, pois os seus principais visados ou ainda não nasceram, ou são ainda muito jovens, sendo a sua generosidade muitas vezes objeto de troça e paternalismo, como ocorre por todo o lado no que respeita aos protestos climáticos estudantis.

O segundo motivo para o falhanço das negociações climáticas é o lugar desprezível que elas ocupam num sistema internacional, que hoje vive em plena anarquia. As únicas duas esferas que funcionam nas relações internacionais são as questões comerciais (no quadro dos temas económico-financeiros) e os assuntos bélicos. Daí a pujança da Organização Internacional do Comércio, que pode levar os Estados a tribunal, obrigando-os a pagar multas milionárias, ou a importância crescente de alianças militares, nas quais é mais fácil entrar do que sair, como é o caso da OTAN. O que têm o comércio e a guerra em comum? No final do século XVIII, as boas almas diziam que o primeiro iria substituir a segunda. Na verdade, o que aconteceu foi uma acumulação a partir do que une ambas as atividades: o poder do dinheiro. A guerra é hoje uma das mais poderosas indústrias do mundo e o armamento uma das mercadorias mais procuradas.

A terceira causa do falhanço das negociações climáticas reside – já escrevi sobre isso desde 2015 – no carácter fraudulento do Acordo de Paris. No direito internacional público só poderemos falar de institutos sérios quando os países se envolvem com objetivos concretos, com calendários definidos, sujeitando-se a monitorização independente e ao pagamento de sanções claramente definidas à partida, em caso de incumprimento. Isso acontecia no caso do Protocolo de Quioto, que esteve em vigor entre 2005 e 2012, mas está completamente ausente no Acordo de Paris, que constitui um paraíso para qualquer político demagogo, diplomado em mentiras com custo zero: prometer ações que só atingirão resultados depois de terem saído dos lugares de comando onde se encontram na altura de fazer as promessas… No Acordo de Paris, as partes são irresponsáveis, os compromissos são voluntários e não vinculativos, nem submetidos a eventuais sanções.

A quarta explicação para o falhanço das negociações climáticas reside no facto de a fraude do Acordo de Paris ser conveniente para quase todos os intervenientes. Para uns, como é o caso dos EUA, a mentira é ardilosa, e Obama, com a cumplicidade de Xi Jimping, foi o seu principal arquiteto. Com efeito, como o Acordo de Paris é uma nulidade jurídica, o Presidente dos EUA não precisa de o levar ao Senado, que desde 1997 está completamente na mão das empresas de energia fóssil, e que fuzilaria qualquer protocolo que tivesse uma pinga de verdade. Para o resto dos países e para muitas ONG, trata-se de uma mentira piedosa, que alimenta os corações e as almas, enquanto o mundo, como bem dizia António Guterres, acelera em direção ao inferno.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Jornal de Letras, edição de 30 de novembro de 2022, página 28.

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