O TRIUNFO DA “NOVA EUROPA”

O futuro de Portugal está umbilicalmente ligado ao destino, semeado de incertezas e riscos, da União Europeia. Gostaria de propor três ideias para a reflexão dos leitores.

Primeira ideia: a guerra entre a Rússia e uma Ucrânia apoiada pela OTAN, veio não só enfraquecer abissalmente o lugar, real e simbólico, da UE na política internacional, como contribuir para um vasto redesenhar da relação de forças entre os Estados-membros dentro da UE. A guerra provocou uma acelerada militarização da agenda europeia (à custa de políticas ambientais, climáticas e sociais) e uma total subordinação da quase totalidade dos países europeus à voz de comando dos EUA. John J. Mearsheimer, o lúcido e corajoso herdeiro de Hans Morgenthau na Universidade de Chicago, escreveu recentemente que “os aliados europeus recebem as suas ordens de marcha de Washington quando se trata da Ucrânia”. A atual militarização europeia não tem qualquer relação com o reacender dos esforços próprios para constituir uma Europa da Defesa, na linha da malograda Comunidade Europeia de Defesa (1952-1954) ou da desaparecida União da Europa Ocidental (criada em 1955). A militarização em curso permite-nos passar à segunda ideia: a parceria imaginária entre as duas potências, EUA e UE, deu lugar a uma relação de clara vassalagem da segunda perante a primeira. Na verdade, tanto Biden como Trump exigem uma defesa europeia conformada ao quadro exclusivo da OTAN, devendo os países subir o orçamento da defesa para 2% do PIB, ou preferivelmente mais. O governo da coligação semáforo, que hoje se senta em Berlim, deu o exemplo. Mal a guerra começou, Scholz fez aprovar uma lei especial de meios de 100 mil milhões de euros (o dobro do orçamento militar germânico médio dos últimos anos). Um exemplo da sua aplicação: os aviões de combate Tornado, da Força Aérea (nascidos de uma parceria entre Itália, Reino Unido e Alemanha), vão ser substituídos por uma generosa encomenda à Lockheed Martin de 35 aparelhos F-35 Lightning II. Basta consultar as compras europeias em curso para perceber como o “complexo militar-industrial” – que o presidente Eisenhower denunciava no seu discurso de despedida (17 01 1961) como um perigo para a democracia estadunidense – é hoje um feroz ator global. O domínio dos EUA sobre a UE é vasto e poroso. Há uma semana, Ursula von der Leyen tentou impingir como economista-chefe da DG da Concorrência, uma académica dos EUA, Fiona Scott Morton, que já havia desempenhado funções num governo de Obama. Se tivermos em consideração o impacto negativo na indústria europeia causado pela recente legislação protecionista de Washington, com apoios diretos às empresas no setor das energias renováveis (desde que as aquisições sejam feitas a empresas sediadas nos EUA), ficamos perplexos por esta insólita proposta da presidente da CE. Perante protestos no PE e de alguns ministros franceses, Scott Morton, sensatamente, recusou o convite.

Terceira e última ideia: politicamente estamos a assistir à derrota da Velha Europa, assim batizada por Donald Rumsfeld em março de 2003, liderada por Paris e Berlim, que teve a ousadia de não ser cúmplice da invasão do Iraque pelos EUA e aliados de ocasião. Hoje, com a França em convulsão e a Alemanha em rota declinante, o centro de gravidade vai para Leste, tendo a desafiante Polónia como campeã do atlantismo. É nesta inóspita e volátil União que vamos habitar, se, entretanto, a guerra não virar o tabuleiro da história mundial.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias, edição de 22 de julho de 2023, página 13.

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