Numa das suas numerosas intervenções infelizes, a MNE alemã, Annalena Baerbock, afirmou que a Alemanha está em guerra com a Rússia. Como sempre aqui tenho escrito, atravessamos o período mais perigoso desde o final da II Guerra Mundial. Pessoas como a MNE alemã, que pisam o gelo fino aos pulos, colocam-nos a todos nós em risco. Elas representam a crescente iliteracia e baixa decência dos titulares de cargos públicos nas nossas democracias. Já em junho de 2021, Baerbock tinha causado escândalo por ter publicado um livro povoado pelo plágio grosseiro de fontes não citadas. A isso se juntou a descoberta de um CV, várias vezes revisto para mascarar acontecimentos ficcionais da sua vida. Contudo, aqui está ela, aparentemente incólume, num cargo chave para o momento em que se decidirá se a guerra desagua num armistício ou no holocausto nuclear que nos engolirá a todos…
Mas mesmo sem uma escalada escatológica da guerra, a Alemanha está a mergulhar num declive cada vez mais fora de controlo. A guerra está a ter um custo social, económico, político e psicológico enorme. Não se trata apenas da recessão económica, sem perspetivas de mudança. Trata-se também de algo que Max Weber, com os olhos no tratado de Versalhes de 1919, considerava inaceitável: “Uma Nação pode perdoar o dano causado aos seus interesses (Interessen), mas não o dano causado à sua honra (Ehre)”. A humilhação nacional causada pelo silêncio conivente com a sabotagem do gasoduto Nord Stream 2, várias vezes ameaçado por responsáveis dos EUA – como Biden (com Scholz ao lado…), Blinken, Victoria Nuland, entre outros – , ficou bem representada numa capa da revista Stern, onde um gigantesco Biden arrasta pela mão um Scholz, com ar subserviente e estatura de anão. O apoio à guerra desce nas sondagens e cresce o aumento eleitoral ao partido da extrema-direita, Alternativa para a Alemanha (AfD). Ainda há menos de dois anos, o AfD obteve 10,3% dos votos nas eleições federais. Numa sondagem de 22 de agosto, subiram para 20,4% as suas intenções de voto, tornando-se o segundo partido nacional, logo atrás da democracia cristã, CDU/CSU (26,4%). Trata-se de uma ascensão que tem sido constante desde o começo da guerra, e supera em muito a subida dos democratas-cristãos (+10,1% para o AfD contra apenas +2,3% para a CDU/CSU). Do lado dos partidos do governo, as descidas são significativas: o SPD tem 17,9% (-7,8% do que em 2021), tornando-se a terceira força federal. Os liberais do FDP, com 7,1% (-4,4%), tombam para quinto lugar. Os Die Grünen, com 14,4% (-0,4%), descem para quarta força federal. Os cidadãos alemães apoiam quem no Bundestag tem ousado discutir o impacto da guerra sobre a vida das pessoas comuns e sobre o interesse nacional alemão, insistindo, também, na necessidade de uma saída diplomática para o conflito (a deputada Sahra Wagenknecht tem assumido, à esquerda, uma linha semelhante). As consequências disto para o resto da Europa e Portugal são imensas. Berlim já afirmou que o seu contributo para o orçamento da UE terá de ser reavaliado em baixa. Se a guerra durar até às próximas eleições federais (setembro de 2025), crescem as probabilidades de os nacionalistas liderarem a chancelaria junto ao Spree. O projeto europeu, no qual Lisboa apostou couro e cabelo, terá fortes possibilidades de começar a ser desmantelado a partir de Berlim, antecipando a viragem nacionalista francesa em 2027.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 26 de agosto de 2023, página 9.