Está a decorrer em Lisboa uma Conferência Internacional cujo tema é também um objetivo: “A Nossa Casa Comum é um Clima Estável”. Iniciativa do Grupo de Missão Clima Património Comum, que, sob coordenação da ONG Casa Comum da Humanidade e da Universidade do Porto, conta com o apoio institucional, entre outras entidades, da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Numa altura em que o sistema internacional se “esqueceu” das alterações climáticas para mergulhar na mais perigosa desordem desde 1945, esta conferência visa contribuir para lhe devolver um sentido de propósito e de unidade, através de uma revolução paradigmática (no sentido que Thomas S. Kuhn deu ao conceito em 1962) no direito internacional público.
A transição da breve e desastrada fase de poder unipolar dos EUA para um sistema multipolar regulado, com a estrutura multilateral das Nações Unidas como quadro de inclusão universal, poderá descarrilar numa guerra global, com consequências de malignidade incalculável. A Rússia teme os EUA. Os EUA querem evitar, por todos os meios, a afirmação da China como maior potência económica mundial. Josep Borrell, o rosto da UE para um objeto inexistente (política externa e de segurança comum), confessou, num lapso de franqueza involuntária, a convicção profunda de quem governa os 27: a UE é um “jardim” que tem de ser defendido da “selva” (o resto do mundo) que a rodeia. Uma confissão do pânico de perder privilégios em estado quimicamente puro! O medo mergulha-nos na ira, faz-nos perder a lucidez, aprisiona-nos ao imediatismo. O resultado é trágico. Temos hoje a humanidade fragmentada e à deriva, com os grandes do mundo a afiarem os seus machados de guerra e a voltarem as costas à marcha acelerada do colapso ambiental e climático global. O medo dos poderosos está a transformar a Terra num inferno para as gerações mais jovens e a intensificar o sofrimento e a pobreza à escala global.
Como sair deste letal labirinto? Criando uma ordem jurídica internacional em sintonia com o mais avançado conhecimento das ciências do Sistema-Terra sobre o nosso Planeta. Desde 1988, que o estatuto jurídico do clima como “preocupação comum da humanidade” perpetua um equívoco grosseiro, que tem levado os Estados e os sistemas económicos sob sua jurisdição, a tratar o clima como nulidade jurídica e externalidade económica. Há aqui um duplo erro. O primeiro, de diagnóstico, por desconhecer que o clima é uma “propriedade emergente”, resultante da combinação e equilíbrio de todos os campos e dinâmicas que constituem o software ativo do Sistema-Terra (atmosfera, biosfera, etc.), absolutamente incompatível com a rígida conceção de soberania territorial prevalecente nas relações internacionais. O segundo erro, de terapia, por conceber as negociações climáticas como um clube de poluidores, e não como uma assembleia universal permanente que incentive todos os contributos positivos para a preservação da estabilidade climática e ambiental global. A proposta, já consagrada na lei portuguesa, do Clima como Património Comum da Humanidade (acalentada desde há 20 anos pelo incansável jurista Paulo Magalhães), oferece uma oportunidade única de viragem jurídica e ética para unir a humanidade na tarefa da salvação comum. Que o novo nome da esperança seja proclamado em português, será a melhor homenagem à herança de Adriano Moreira que, tal como Vieira ou Pessoa, nunca deixou de conjugar a sorte de Portugal com o destino do mundo.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 29 de outubro de 2022, p. 9.