FILIPE DUARTE SANTOS, PIONEIRO NO ESTUDO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Não poderia existir em Portugal melhor convidado para escrever um opúsculo sobre Alterações Climáticas. A Fundação FFMS acertou em cheio. Filipe Duarte Santos (F.D. Santos) é hoje a figura académica mais reconhecida em Portugal, com grande impacto também na comunidade científica internacional, no domínio do estudo do actual processo de alterações climáticas em curso. Tanto na perspectiva das suas causas e impactos, como também na procura de estratégias e soluções capazes de estarem à altura daquela que, dentro da crise global do ambiente, será a ameaça com maior capacidade disruptiva do frágil tecido que une as diferentes componentes da globalizada civilização humana.

F.D. Santos, apesar de catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, continua a ter uma intensa actividade de docente e investigador, em particular num inovador programa doutoral em alterações climáticas (PDACPDS), que desde 2009 une a Universidade de Lisboa e a Universidade Nova de Lisboa, com laços a outras Universidades internacionais, tendo sempre uma grande procura de alunos internacionais. Para além disso, preside também ao Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e mantém uma generosa disponibilidade para oferecer a sua opinião avisada através de conferências, artigos e entrevistas. O seu primeiro artigo científico sobre alterações climáticas foi escrito em 1987, em colaboração com Ricardo Aguiar, numa altura em que, mesmo no meio académico, o tema violava os paradigmas longamente estabelecidos nos estudos de clima. Nele eram usados modelos que já indicavam as tendências que hoje se transformaram em padrões meteorológicos comuns, como o declínio da precipitação e o aumento dos períodos de seca. No ano de 1990, numa altura em que a política ambiental parecia estar a receber um novo impulso, foi ele quem coordenou o primeiro (e até hoje único) Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal. Em 1999, F.D. Santos, coordenando uma vasta equipa multidisciplinar de investigadores, lançou a primeira avaliação integrada das vulnerabilidades, dos impactos e das medidas de adaptação para Portugal, incluindo também as regiões autónomas de Açores e Madeiras (Projecto SIAM), baseada em cenários obtidos com modelos de circulação geral da atmosfera. Esse exercício, que identificou muito do que é hoje a nova normalidade dos eventos extremos de um clima em mutação acelerada, foi um dos primeiros exercícios a ser realizado na Europa meridional. Desse projecto resultaram dois vastos e informados relatórios, o SIAM I e o SIAM II, publicados, respectivamente, em 2002 e 2006. Ao longo dos anos, tem continuado a estudar a situação nacional, nomeadamente, a urgente necessidade de políticas de adaptação, em particular nas mais ameaçadas zonas do nosso litoral, bem como a publicar artigos e ensaios nas melhores revistas e editoras internacionais.

Este novo livro sobre Alterações Climáticas (AACC) apresenta-se como uma introdução a este tema, que a todos nos deveria unir na perspectiva comum de desbloquear um futuro ameaçado. Por isso, o esclarecimento rigoroso dos conceitos e dos métodos é não só uma questão de literacia científica básica, mas também uma exigência de cidadania esclarecida, nos tempos difíceis que nos é dado viver. A obra está dividida em quatro capítulos, onde se abordam respectivamente: a ciência (cap. I); os desafios (cap. II); as AACC e os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável de 2030 (cap. III); mitigação e adaptação às AACC na Europa e em Portugal (cap. IV). Sendo todos os capítulos importantes, penso que verdadeiramente útil para a maioria dos leitores, que não seja muito conhecedora desta temática, será o cap. I sobre a ciência das AACC. O autor introduz e explicita uma série de conceitos fundamentais, que equipam o leitor atento, não só para saber ler autonomamente futuros documentos sobre o assunto, como também para aprender a separar o trigo do joio, já que continua a existir, sobretudo nas redes sociais, uma espessa manta tóxica de “negacionismos” e de “fake news”, que recorrem a formas manipulatórias de pseudociência. Esse léxico fundamental consiste nas seguintes categorias-chave: circulação geral da atmosfera; equilíbrio radiactivo do planeta e efeito de estufa; ciclo do carbono, potencial de aquecimento global; alterações climáticas (naturais e sua diferença em relação actual mudança antrópica), mitigação e adaptação, geoengenharia, economia das AACC e, por fim, a justiça climática e a ética.

Em súmula: trata-se de um livro serenamente escrito, rigorosamente fundamentado e argumentado, sobre o mais inquietante tema do nosso tempo, no curto, médio e longo prazo. Uma leitura indispensável.

Filipe Duarte Santos, Alterações Climáticas, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021, 128 pp.

Viriato Soromenho-Marques

23 de Fevereiro de 2022, “Filipe Duarte Santos. Pioneiro no Estudo das Alterações Climáticas”, Jornal de Letras, p. 37.

Subscribe
Notify of
guest
0 Comments
Inline Feedbacks
View all comments