Não há maneira suave de o dizer. Estamos a perder a guerra pela preservação das condições de habitabilidade do nosso Planeta. O coro das promessas e declarações de dirigentes políticos e económicos, que há décadas se reproduz em dezenas de reuniões internacionais – cujos temas se estendem do combate às alterações climáticas, à protecção da biodiversidade, dos oceanos, das florestas, dos solos, ou dos grandes rios internacionais – termina quase sempre com um amargo de boca. Os sinais do mundo real, revelam-nos ser a maioria dessas promessas desprovida daquela autenticidade que gera confiança mútua e conduz a transformações concretas. Todos os estudos sobre estado do ambiente global, dolorosamente, confirmam: estamos a passar da situação de crise, que oferece margem para superação, para a situação de colapso, onde será o caos e o sofrimento generalizados a ter a derradeira palavra.
Para combater um desafio é preciso estar à sua altura. A verdade é que os povos e Estados, incluindo aqui também o direito internacional e as próprias Nações Unidas, no seu combate à crise ambiental fazem lembrar os cavaleiros medievais, que se deixavam matar sob o peso das próprias armaduras. Neste caso, a armadura consiste numa constelação de interesses, preconceitos e ficções, que contaminam as leis e paralisam a eficácia das políticas. A crise global do ambiente e clima é a prova definitiva de que a sobrevivência histórica da humanidade só poderá acontecer se trabalharmos em conjunto, colocando a salvação comum bem acima dos particularismo e dos egoísmos de toda a espécie. Infelizmente, o mito da soberania absoluta dos Estados, aliado à ficção de uma economia de crescimento infinito, indiferente aos limites ambientais, têm sido as duas causas principais da nossa ineficácia perante as crescentes ameaças globais.
O ano de 2022 será crítico. As Nações Unidas, pela acção do seu Secretário-Geral, querem inspirar pelo exemplo as grandes potências, sejam as que estão em queda (EUA), em ascensão (China, Índia), ou que permanecem como promessas adiadas (União Europeia), para a urgência de reorganizar a acção colectiva na defesa da nossa casa comum. Em Junho será realizada a Conferência Estocolmo+50, evocando, com olhos no futuro, a primeira cimeira da ONU sobre ambiente realizada em 1972. As NNUU pretendem também submeter um ambicioso programa de acção, incluindo uma reforma interna que agilize a sua própria capacidade de intervenção, através de uma grande Cimeira do Futuro, calendarizada para 2023. Portugal deu já um sinal na direcção certa, ao tornar-se o primeiro país no mundo a reconhecer – na nova Lei do Clima – que o “Clima estável” não é uma mera “preocupação comum” da humanidade, como vagamente reza o actual direito internacional, mas sim um “património comum”. Para tal, é imperativa a capacidade de articulação das soberanias nacionais, sob o primado de um realismo ecológico capaz de preservar o Planeta, também como habitação das gerações que ainda não nasceram.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Notícias Magazine (suplemento do Jornal de Notícias), edição de 26 de Dezembro de 2021, página 21.