Não poderia existir forma mais auspiciosa de celebrar a honra atribuída pela Comissão Europeia (CE) ao escolher Lisboa como Capital Verde Europeia 2020 do que esta decisão do Ministério do Ambiente de dar luz, também verde, a um dos mais retorcidos e ambientalmente impactantes projectos de obras públicas desde o 25 de Abril: o Aeroporto do Montijo. A novel Presidente da CE, Ursula von der Leyen, deve também estar muito agradecida a António Costa por este prestimoso contributo nacional para os objectivos do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal). Certamente que a intensificação do tráfego aéreo que esta nova infra-estrutura vai permitir e estimular, encontra-se perfeitamente em linha com os ambiciosos objectivos europeus de reduzir até 2030 em 55% as emissões de carbono!
Não tenho talento para ir além de um amarelo desmaiado quando se trata de brincar com coisas sérias, mas a verdade é que me parece completamente inútil argumentar analiticamente contra uma decisão que simulou um processo em que só na aparência poderia existir um resultado negativo. Se o poder judicial chegar a intervir neste processo, será fácil identificar procedimentos legais, como a Avaliação Ambiental Estratégica, que não foram cumpridos, ou outros, como o Estudo de Impacte Ambiental, que apresentaram falhas suficientes para colocar em causa a sua validade. A única coisa absolutamente certa é que a implementação desta decisão vai amarrar a capital para os próximos 40 anos a uma solução Portela-Montijo, apesar dos impactos no ambiente (ainda nos lembramos da área classificada do estuário do Tejo?), na saúde (Lisboa será uma das raras cidades a continuar com um aeroporto no seu coração urbano) e na segurança (alguém escutou as advertências dos representantes dos pilotos da aviação civil?).
Até do absurdo devemos tirar lições. Este caso mostra como a elite política e económica, e não só em Portugal, está hoje pressionada por um espectro que em economia se designa como os “activos encalhados” (stranded assets): infra-estruturas e capital que perderão valor se um combate sério pela sustentabilidade for levado a cabo. Mas não é verdade que o ministro Pedro Nuno Santos veio há poucos dias lamentar a privatização da ANA? De facto, a Vinci, que ficou com a ANA, em 5 anos já mais do que recuperou o investimento de 3 mil milhões. Mas recordar os pecados do executivo de Passos Coelho não chega para disfarçar a convergência entre o governo vigente e a Vinci. Por toda a parte, os discursos grandiloquentes de combate à emergência climática esbarram, duplamente, na ferocidade com que as megacorporações arriscam a segurança colectiva da humanidade para prolongar os seus lucros, e no imperativo partidário de ganhar a eleição seguinte a qualquer custo. O “Macacu Nu” – lapidar imagem que Desmond Morris capturou para título da sua magistral leitura da nossa símia condição – representa bem a elite sonâmbula que nos empurra contra o futuro. Nele pagaremos couro e cabelo por nada termos feito, quando teria sido tempo de agir.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 25 de Janeiro de 2020, p. 33.