Uma das coisas que os políticos profissionais (para distinguir dos raríssimos políticos por vocação) ganham com a experiência é calo. Não é sabedoria nem mesmo um pouco mais de conhecimento. Trata-se de mais blindagem psicológica e física para aguentar a pressão. Para além do bem e do mal, independentemente do certo ou do errado. Aguentar-se na flutuação governativa, passa a ser o alfa que é também ómega. Crescentemente, percebemos que essa blindagem consome energia. Talvez por isso o PM, amparado pela maioria absoluta do PS, tenha descurado a gestão dos seus ministros, como os episódios picarescos do caso TAP não cessam de revelar. O preço é elevadíssimo. A fragilidade estrutural da democracia representativa estilhaça-se, pois, o seu cordão umbilical depende de um mínimo de confiança na competência e honestidade (por esta ordem de prioridades) dos titulares de cargos públicos. Já sabemos quem ganhará com esta comédia bufa em que se tornou a política portuguesa. O país não será certamente.
O PR recusa-se a derrubar esta maioria, afirmando que a oposição ainda não gerou alternativa. Contudo, qual é a probabilidade deste governo ter um segundo fôlego, depois de ter falhado o primeiro? Vivemos em regime de bloqueio. Na Coreia do Sul, país que nos poderia ensinar algo sobre inteligência estratégica, o PM fez apenas o habitual. Ele falou das oportunidades de negócio para o investimento estrangeiro em Portugal. Uma antiga ministra sua, andou há anos pelo estrangeiro a vender os fundos marinhos da nossa ZEE para explorações mineiras, apesar de estas ainda serem um tabu à escala internacional. Costa falou das reservas de lítio, incitando à sua exploração, apesar de saber que, desta vez, as populações se irão erguer para defender o seu chão. A sua ministra da agricultura recebe com agrado explorações intensivas, financiadas por capital de risco, que degradam o solo, a água e a biodiversidade. O investimento estrangeiro desregulado no imobiliário transformou o problema da habitação numa crise crónica que vai alterar o perfil demográfico e económico das áreas metropolitanas por tempo indeterminado, com custos sociais incalculáveis. O calo dos políticos profissionais rasurou a palavra “estratégia” dos dicionários. O que impera são os golpes de varinha de condão. As oportunidades mágicas. O dinheiro fácil que a maioria da população pagará mais adiante com juros incomportáveis.
Quase meio século depois do 25 de abril, vivemos o mais perigoso período da nossa história. Fizemos a descolonização, mas cada vez mais somos governados por quem internalizou, como normal, um modelo extrativista e neocolonial de economia. Alienamos, imprudentemente, o nosso território continental e marítimo, os nossos recursos naturais estratégicos. Ao longo de décadas vendemos a centros de decisão externos quase todos os sectores estratégicos da nossa economia. Estamos integrados numa UE que transforma cada exercício orçamental num espetáculo de humilhação, como ficou patente na triste figura do PM a mendigar um cheque do PRR à presidente da CE. Estamos à deriva numa UE onde nem o troar dos canhões abafa o estalar das fraturas internas. Numa UE sem maturidade para salvaguardar a paz nas suas fronteiras vitais, e sem coragem para ser algo mais do que o instrumento servil de uma liderança hegemónica que soma fracassos sucessivos. Mais do que de falta de alternativa governativa, estamos paralisados, privados da liberdade de ação. O tempo derrama-se sem gerar sementes de futuro.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 15 de abril, página 11.