No dia 14 do corrente, o diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (DL) enviou uma circular à comunidade académica justificando a sua decisão de dia 11, quando pediu à PSP a expulsão de “treze estudantes” que ocupavam essa Faculdade, no âmbito da ação estudantil “Fim ao Fóssil: Ocupa”, que em Lisboa se expressou em 6 escolas. O DL invocou a defesa da “autonomia” e a neutralidade da Universidade perante “quaisquer causas” como condição para garantir a sua existência como “espaço de liberdade”. Nesse mesmo dia, o Ministro da Educação (ME), sublinhou a necessidade de “escutar estes jovens”, rejeitando o recurso a autoridades externas à academia, numa alusão crítica à atitude do DL. Contudo, o ME considerou serem as escolas o “alvo errado” da ação estudantil.
Estamos perante duas teses, mais próximas do que parecem. A primeira, do DL, sustenta que a ação estudantil coloca em causa a essência da Universidade. A segunda, do ME, considera que essa ação não deveria ser realizada nas escolas. Em relação ao DL, recordo as sábias palavras de Ortega y Gasset, quando em 1930 relacionava a missão da Universidade com a necessidade de contribuir para a orientação pessoal e coletiva na “selva bravia” da vida. Isso exigia uma ativa intervenção universitária “na atualidade, tratando os grandes temas do dia do seu ponto de vista próprio — cultural, profissional ou científico.” A crise do ambiente e clima, para a qual os jovens reclamam medidas de combate à altura da ameaça, ao contrário do que pensa o DL, não é uma “causa” qualquer, perdida num menu de escolha livre. Trata-se do maior e mais incontornável desafio, mas também do maior escândalo da história humana. Desde o final do século XVIII, com um enorme incremento depois de 1950, dezenas de milhares de investigadores, a maioria esmagadora dos quais universitários, contribuíram para mapear com rigor quantitativo e exaustiva fundamentação a encruzilhada trágica em que nos encontramos: a nossa civilização agoniza na insanável colisão entre uma economia fundada na distopia do crescimento exponencial e os limites biofísicos do Sistema-Terra, que estão a ser rompidos ao ponto de ameaçarem a habitabilidade do planeta. Uma Universidade que repele jovens por se erguem contra as forças poderosas que lhes roubam o futuro e transformarão o planeta num inferno, trai o seu impulso milenar de busca pela verdade. A autonomia não é cegueira perante o perigo que tem de ser estudado para ser vencido. A liberdade não pode ser indiferença cúmplice perante a maior injustiça entre gerações da história mundial. Cabe às humanidades e ciências sociais – não aos climatologistas – deslindar as causas do paradoxo, tão vivo na COP27, da abissal oposição entre o reconhecimento discursivo do perigo colossal e a marcha acelerada para a sua brutal consumação.
A Escola (em todos os seus ciclos) é um lugar central de socialização, por isso, ao contrário do ME, penso ser ela o “alvo certo” para este protesto. Em 1954, Hannah Arendt definia os dois valores fundamentais da educação: “responsabilidade pelo mundo” e amor pelos educandos “para não os expulsar do nosso mundo”. A Escola habilita a perceção da obscena e irresponsável destruição do mundo em curso. Os jovens pedem-nos para agirmos como adultos, salvando o que ainda é possível para garantir um futuro viável partilhado. Deveríamos aceitar, com humildade, este repto que derrama alguma luz sobre estes tempos sombrios.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias de 19 de Novembro de 2022