As investigações à CGD e os diferentes comentários sobre o que se vai sabendo evocam uma célebre frase atribuída a Henry Ford (1863-1947), e que todos os professores de Economia gostam de citar quando iniciam os seus estudantes nos segredos do sistema bancário: “Ainda bem que o povo da nossa nação não percebe como funciona o nosso sistema bancário e monetário, porque se compreendesse, acredito que haveria uma revolução antes de amanhã de manhã.”. A ideia febril de que as cumplicidades e compadrios cometidos no banco do Estado, durante o auge do domínio da tribo liderada por Salgado e Sócrates, teria como conclusão lógica a necessidade de privatizar o último moicano da banca pública nacional revela que Ford tem razão. A ignorância do povo e dos seus representantes (aqui, uma ignorância às vezes muito convenientemente cultivada) continua a ser o melhor castelo onde se abrigam os poderosos do mundo, com os seus modelos de governação e influência ilegais, mas altamente efectivos.
O problema da CGD não é de simples má gestão, Se fosse apenas esse – como se está a ver agora com o actual processo de recuperação sob uma direcção que tem dado provas de prudência e competência – o problema estaria a ser resolvido. A questão fundamental é a do estatuto absolutamente desmesurado que a banca e o sector financeiro ganharam no mundo inteiro, mas com particular violência na zona euro, nas últimas décadas. A pergunta correcta a fazer seria a de como é possível manter ainda a economia mundial debaixo do jugo de um sistema financeiro privado que, mesmo depois da carnificina económica e social de 2008 e dos anos seguintes, continua a reter como refém, com óbvia cumplicidade do sistema político, o conjunto da economia mundial. Todo o edifício regulamentar erigido depois da crise de 1929, em particular a lei Glass-Steagall (1933) – sobretudo nas secções 20 e 32 – visavam separar os bancos comerciais, ligados às operações regulares de gestão e valorização das poupanças, dos bancos de investimento, ligados a operações especulativas com um risco exponencialmente maior. A banca portuguesa e europeia levou ainda mais longe dos que nos EUA a criação de monstros bancários onde, como no BES, tudo se misturava e confundia, tornando o trabalho dos reguladores numa tarefa impossível. Hoje, na zona euro, a finança privada continua, de facto, a hegemonizar a emissão monetária e a ter o monopólio do financiamento dos Estados. Mesmo quando o BCE adquire títulos de dívida dos Estados, não o faz no mercado primário, mas sim junto da banca.
Infelizmente, a única revolução dos últimos 30 anos foi a do capitalismo neoliberal. Uma revolução que está para o capitalismo, como o bolchevismo está para o marxismo. Em 2019, os algoritmos de um poder que apenas obedece às suas próprias leis estão mais activos do que nunca. O sistema financeiro está mais forte e letal do que em 2007. Como um vírus, instalou-se no corpo hospedeiro que são as nossas vidas. É demasiado grande para cair. Pelo menos, enquanto não faltarem o suor e o sangue de que se alimenta.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Diário de Notícias, edição de 16 de Fevereiro 2019, p. 19.