A POLÍTICA DE AMBIENTE viu a luz antes da Revolução de Abril. Beneficiou do primeiro ciclo internacional de crescimento das preocupações ecológicas, que se estendeu de 1962 – com a publicação da obra Silent Spring, de Rachel Carson (tantas vezes referidas neste espaço do Jornal de Letras) -, tendo sido interrompido pela guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), a que se sucederam as duas crises petrolíferas dos anos 70. Essa década foi caracterizada pelo lançamento das primeiras infraestruturas das políticas nacionais de ambiente. As primeiras leis-quadro ambientais surgem nesta altura (em 1967 no Japão, e em 1969 nos EUA e na Suécia), assim como os primeiros ministérios ou, pelo menos, os seus embriões (a EPA nos EUA, em 1970, ou o ministério do ambiente nipónico, em 1971). Também em 1970, a Grã-Bretanha criaria o seu Department of the Environment, que obrigaria à aglutinação de competências antes dispersas por três ministérios.
Para além dos horizontes legal e administrativo, o contributo das ciências convergiu, igualmente, na produção dos primeiros relatórios sobre o estado do ambiente (em 1969 no Japão, em 1970 nos EUA). Portugal não passou incólume a este padrão genético: com supervisão do próprio Marcello Caetano e sob a dinâmica e esclarecida direção de José Correia da Cunha, é fundada em 1971, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, a Comissão Nacional do Ambiente (CNA). Também nesse ano é publicado o primeiro relatório sobre o estado do ambiente, visando Portugal e os seus antigos territórios ultramarinos. Deve salientar-se, ainda, que a fundação de uma política pública hídrica para Portugal, aberta à vertente ambiental, antecede mesmo a criação da CNA, pois foi já em 1970 que se formou o Núcleo de Estudos de Problemas da Água (1). O tema da água seria objeto, igualmente, de importantes publicações por parte da CNA e da Secretaria de Estado do Ambiente na fase inicial da política ambiental portuguesa. (2).
José Correia da Cunha, Presidente da Comissão Nacional do Ambiente (1971)
O NASCIMENTO DAS BASES de uma política pública de ambiente em Portugal prende-se diretamente (como sempre aconteceu com esta política, e não só) com a pressão externa internacional. Curiosamente, as primeiras medidas de conservação das espécies e dos seus habitats vão incidir sobre os territoriais coloniais de administração portuguesa. Antes de 1971, a integração de Portugal na rede dos impérios coloniais europeus levaria o país a alguns compromissos internacionais em matéria de conservação da natureza. Algures nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros devem encontrar-se ainda as cópias da assinatura portuguesa de duas convenções internacionais de conservação da natureza, que o Estado português assinou na sua condição de potência colonial. Foram elas, respetivamente, a Convention for the Preservation of Wild Animals, Birds and Fish in Africa (1900) e da Convention Relative to the Preservation of Fauna and Flora in their Natural State (1933). No que toca ao território europeu, e apesar de algumas referências a questões ambientais, nomeadamente as constantes no III Plano de Fomento (1968-1973), o primeiro órgão governamental, com vocação interministerial (a CNA, acima referida), dedicado à coordenação dos problemas ambientais só seria criado na sequência da receção pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em março de 1969, da Nota do Secretário-Geral da ONU, datada de janeiro de 1969, dando conta da resolução 2398, aprovada na 23ª sessão da Assembleia Geral, que dera início ao processo que conduziria à Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, que teria lugar em Estocolmo, em junho de 1972.
O Governo de Marcello Caetano, isolado na cena internacional, levou a sério o convite. Portugal não só se faria representar por amplas e qualificadas delegações, tanto na Conferência de Estocolmo (sete elementos, incluindo o ministro da Marinha), como nas diversas reuniões preparatórias entretanto realizadas. A invulgar competência e empenho de José Correia da Cunha, conjugada com o primado da pressão externa (que continua ainda hoje a marcar a política ambiental nacional) lançaram as sementes de uma nova política pública (3). A Revolução de Abril e a Constituição democrática de 1976 permitiram criar as condições objetivas para que a sociedades civil, através do associativismo e da ação de organizações não-governamentais, pudesse também dar o seu contributo. Sempre indispensável, e por vezes decisivo.
NOTAS
(1) José Correia da Cunha, “Núcleo de Estudos de Problemas da Água (um pequeno passo para a mudança que se impunha na gestão dos recursos hídricos) “, 2000.
(2) Zozimo Castro Rego, A Água. A Escassez na Abundância, Lisboa, Secretaria de Estado do Ambiente 1977; José Pinto Peixoto, O Ciclo da Água em Escala Global, Lisboa, Secretaria de Estado do Ambiente 1979; José Pinto Peixoto, A Água no Ambiente, 1989; Luís Veiga da Cunha, As Secas. Caracterização, Impactos e Mitigação, Lisboa, Secretaria de Estado do Ambiente 1982.
(3) Helena Geraldes, O Homem da Mala de Estocolmo. José Correia da Cunha e a Génese da Política de Ambiente em Portugal (1969-1974), Lisboa, Esfera do Caos, 2011.
Viriato Soromenho-Marques