A NUDEZ DA COP 27

Um pouco por todo o mundo são os protestos juvenis que, como no conto de Hans Christian Andersen, vão apontando o dedo à impotente nudez em que se transformou o fracasso anual das conferências das partes da Convenção do Clima de 1992 (COP). Há 3 fatores que explicam o irremediável insucesso das COP: subestimação da gravidade do problema; a falta de consistência do Acordo de Paris; erro conceptual sobre a natureza jurídica das alterações climáticas. 

Primeiro. A crise ambiental e climática está numa vertiginosa curva exponencial de crescimento. Entre 1880 e 1981 o aumento da temperatura média da Terra por década foi de + 0,08ºC. De 1981 a 2021 o valor por década subiu para + 0, 18ºC. Isto significa que em 2022 a temperatura média em relação ao período pré-industrial já aumentou 1, 2ºC. Ora, todas as projeções apontam para que nas próximas 3 décadas a temperatura média por decénio escalará para + O, 34.ºC, atingindo +2,2º C. em 2050.

Segundo. O Acordo de Paris não é um instrumento sério de direito internacional público. A Convenção do Clima de 1992 (UNFCCC), para ser eficaz como lei internacional, necessitaria de ser acompanhada por protocolos, que definem objetivos, obrigações das partes, sistemas de monitorização, e penalidades para incumprimento. Foi isso que aconteceu com o protocolo de Quioto (que esteve vigente de 2005 a 2012). Ora, o Acordo de Paris não tem nenhuma dessas características vinculativas do protocolo. Os objetivos nacionais são meramente voluntários. As infrações não são acompanhadas de penalizações. Como foi possível celebrar um instrumento retórico, sem uma pinga de coragem, como um grande sucesso? Em grande medida, isso ficou a dever-se ao desejo de Obama de fazer voltar os EUA à diplomacia climática, depois do afastamento nos anos de G.W. Bush, Jr.. Mas como o Senado dos EUA votaria contra um eventual protocolo de Paris (por ser uma lei internacional vinculativa), foi preciso inventar um simulacro que carece de aprovação da câmara alta do Capitólio. 

Terceiro. Desde 1988, que o estatuto jurídico do clima como “preocupação comum da humanidade” nega tudo o que já sabemos sobre o sistema-Terra e perpetua um equívoco grosseiro que tem levado os Estados e os sistemas económicos sob sua jurisdição, a tratar o clima como vazio jurídico e externalidade económica. Não admira que nas COP os países pratiquem um jogo de soma nula, em que uns ganham o que os outros perdem (veja-se o mercado das emissões), quando a natureza do clima deveria ser a de um “património comum da humanidade” (como é o caso pioneiro da lei portuguesa do clima de 2021), pois resulta da combinação e equilíbrio de todos os campos e dinâmicas que constituem o software ativo do Sistema-Terra (atmosfera, biosfera, criosfera, etc.), absolutamente incompatível com a rígida conceção de soberania territorial prevalecente nas relações internacionais. 

Se queremos travar a marcha acelerada “rumo ao inferno”, citando António Guterres, o atual modelo das COP é, seguramente, uma estrada a recusar sem hesitações. 

Viriato Soromenho-Marques 

Publicado no Expresso, edição de 11 de novembro de 2022, p. 2.

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