Hoje o mundo é governado por regras económicas que funcionam como leis da Natureza, e liderado por chefes não eleitos, que comandam a partir do coração das grandes corporações financeiras. Enquanto os governos eleitos têm poderes limitados e uma visão paroquial, os governos-de-facto têm uma óptica planetária e actuam no longo prazo. Também antes da crise de 1929, o sistema financeiro desregulado estava no centro da economia mundial. Durante uma década depois da I Guerra Mundial, o mundo embarcou numa explosão de crescimento, enquanto os Estados dormitavam coniventes na berma da estrada. Os “Loucos Anos Vinte” (Roaring Twenties) descarrilaram no colapso financeiro de 1929, em cujas consequências se contam o nazismo e a II Guerra Mundial. O mundo só não caiu na barbárie por causa da liderança de F.D. Roosevelt. Ele não só reergueu a economia americana e liderou a guerra contra o Eixo, como delineou uma nova ordem mundial, disciplinando o capitalismo financeiro. Num discurso perante o Congresso, em 1944, Roosevelt avisava para a necessidade de não entrar outra vez na “montanha russa” da especulação financeira, para não voltar a sofrer uma “trágica colisão” (tragic crash). Em 2019, ainda estamos a lamber as feridas do choque sistémico de 2008, o sistema político está em fragmentação, à ameaça financeira junta-se a destruição ontológica da crise ambiental e climática. O futuro repete e amplia os perigos do passado, infelizmente sem produzir um novo Roosevelt.
Viriato Soromenho-Marques
28 de Dezembro de 2019. “A Montanha-Russa”, Diário de Notícias, p. 45.