Em 1789, ainda como embaixador em Paris dos recém-formados EUA, Thomas Jefferson escreveu ao seu amigo James Madison introduzindo um tema novo na literatura ético-política do Ocidente: a justiça entre gerações. Que obrigações ligam uma geração não apenas aos antepassados (cuja memória deve ser respeitada e preservada), mas sobretudo às gerações futuras? O pressuposto fundamental de Jefferson era o de que cada geração tinha direito a usufruir a Terra, mas de tal forma que não pusesse em causa esse mesmo direito para as gerações seguintes. Nesse distante mundo rural e pouco povoado do final do século XVIII, ele definiu dois princípios que deveriam inspirar as políticas públicas: nenhuma geração deveria limitar a liberdade da seguinte em matéria de revisão constitucional; nenhuma geração deveria sobrecarregar a seguinte com uma dívida pública não paga. Neste final de 2018, as palavras de Jefferson ganham uma esmagadora actualidade em torno da questão da dívida. No sentido estrito da dívida pública, os portugueses e a maioria dos europeus, sabe bem que uma dívida pública exorbitante é não apenas um fardo económico para quem tem de pagar juros de empréstimos que não contraiu, mas também uma grilheta política que limita as escolhas constitucionais. Mas em 2018, aprendemos que os líderes mundiais, e não apenas Trump, não têm a coragem política nem a bondade moral para conduzirem os seus povos na batalha contra as alterações climáticas, cujas consequências serão mais violentes, mais rápidas e mais duradouras do que se pensava. Estamos a contrair, pela nossa desmesura, uma dívida ontológica – que não pode ser renegociada nem perdoada – passando a conta de amargura aos nossos descendentes, por séculos e milénios. Pior do que a culpa, só a vergonha por fazermos parte desta geração que parece não se incomodar por humilhar a humanidade inteira. Comprometendo tanto a viabilidade do futuro como a memória do passado.
Viriato Soromenho-Marques
Publicado originalmente no Diário de Notícias de 29 de Dezembro de 2018, p. 32.