A LUA NÃO É PARA LUNÁTICOS

Lembro-me nitidamente dessa madrugada de 21 de Julho de 1969, quando a RTP transmitiu a chegada da Apollo 11 à Lua. As imagens eram a preto e branco, mas a vivacidade da memória reinventa as cores que não se encontravam no ecrã. Lembro-me da expectativa crescendo ao longo das semanas precedentes. De um passeio ao luar, nas horas anteriores. Em menos de 30 anos, os EUA realizaram os dois maiores projectos de Big Science da história mundial. O “Manhattan”, que transformou os EUA na primeira potência atómica. E o projecto da ida à Lua, anunciado pelo malogrado J.F. Kennedy. Em ambos os casos, a dimensão militar e estratégica esteve presente. No primeiro caso, os EUA evitaram que Hitler chegasse primeiro ao cogumelo atómico. No segundo caso, Washington anulou a breve vantagem que a URSS tinha ganho nos vectores de mísseis balísticos intercontinentais, recolocando a guerra-fria no patamar da dissuasão pelo terror, isto é, da destruição mútua assegurada (MAD). Nesse tempo os EUA eram um império, e por isso tinham um discurso universal. Quem seguiu a proeza sentiu-se representado na sua condição de membro da humanidade. Se fosse hoje, o chauvinismo reinante faria desligar a televisão. Em 1969, na Casa Branca, a Humanidade fazia vibrar esperanças ecuménicas. Hoje não passa de um conceito taxonómico e zoológico.

Hoje a exploração espacial mudou completamente. As coisas importantes que são feitas não têm a atenção devida. Viagens não tripuladas, infinitamente mais económicas, chegaram aos confins do sistema solar e para além dele. A planetologia comparada permite conhecer melhor o nosso próprio planeta. Muito do que sabemos sobre alterações climáticas pode ser confirmado no estudo da atmosfera de Vénus. A imensa rede de satélites ajuda a conhecer melhor o que se passa na Terra. A mudança dos usos do solo, a destruição de habitats, o desaparecimento da criosfera e a agonia da biodiversidade. As ciências espaciais adultas são as que se juntam às ciências da Terra para tentar resgatar o nosso planeta do abismo para onde todos nos dirigimos. Em 1969 éramos 3, 6 mil milhões. Em 2019 mais do que duplicámos: 7, 7 mil milhões. Em 1969, a concentração dos gases de efeito de estufa ainda estava abaixo da linha de perigo: 324 ppmv. Hoje estamos em 415 ppmv. Só entre 2010 e 2019 aumentámos 22 ppmv! O Público entrevistou há dias Alan Stern, o responsável pelo programa espacial New Horizons, visando Plutão. Entre muitas coisas interessantes, Stern diz acreditar que dentro de 300 anos seremos mais a viver fora da Terra do que nela… Na verdade, não existem cursos de senso-comum, e até os cientistas têm direitos aos seus disparates… As viagens tripuladas enfrentam um obstáculo de inovação que não parece superável: transportar pessoas não é a mesma coisa que transportar feixes de luz e informação. O meu prognóstico é simples: perante o desafio existencial da crise ambiental e climática, ou sobreviveremos ao lado uns dos outros, ou pereceremos numa guerra de todos contra todos. Não em 300, mas em 40 ou 50 anos.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado na edição de 20 de Julho de 1969 do Diário de Notícias, página 19.

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