A JUVENTUDE NO DECLIVE DO FUTURO

Os sintomas de que estamos a viver, à escala mundial, a famosa “lacuna de engenho” (ingenuity gap) que foi proposta em 2003 pelo professor canadiano Thomas Homer-Dixon estão por toda a parte. Isso significa que à medida que avança no tempo, a humanidade, como sujeito colectivo fragmentado e desorganizado, vai acumulando questões cruciais para as quais não aparenta ter qualquer solução. Os dois problemas insolúveis mais graves e omnipresentes, até pelo seu impacto global crescentemente mortífero, são a crise global do ambiente, de que a face mais visível é a emergência climática, e a ratoeira do mercado global neoliberal, que funciona como um buraco negro: fácil de nele entrar, mas praticamente impossível de dele sair inteiro. A partir daqui podemos declinar uma miríade de dificuldades menores, mas não menos bicudas e irresolúveis.

A questão da juventude e do que fazer com ela ameaça tornar-se num intratável nó górdio. Simbolicamente, a juventude representa as ambições do humanismo autónomo e glorioso, que a Europa produziu com a modernidade e a revolução científico-industrial, acabando por torná-lo em marca de planetário acesso livre. Na juventude habitava, simultaneamente, o ímpeto energético da mudança e o rosto do mito do progresso, hoje derrotado e caído num chão coberto pelas suas próprias ruínas. Infelizmente, o futuro já não canta, nem pode ser representado como uma épica escalada de bom para melhor, em direcção a um pico de plenitude potencialmente infinito. O futuro é hoje invisível, porque o nosso presente é um imenso planalto que ameaça desaguar num declive, cuja inclinação parece ser cada vez mais abrupta. É nessa planura inclinada para o abismo que a juventude mundial habita, com diversidade, mas sobretudo com convergência. Foi esta, aliás, que explica o sucesso internacional do protesto da jovem sueca Greta Thunberg. Filha da classe média, e cidadã de uma nação culta e próspera, Greta olhou duas décadas para diante e não gostou das semelhanças entre a Terra onde será uma mulher madura e as pinceladas de O Triunfo da Morte (1562) de Pieter Brueghel, o Velho. Mas ninguém sabe o que fazer com a juventude, como o indicam os números astronómicos do desemprego juvenil, apenas agravados pela pandemia. Em Maio, o desemprego juvenil (dos 16 aos 24 anos) na Zona Euro estava nos 17,5% (contra 7,9% do desemprego total). Em Portugal a diferença ainda é maior: 23% contra 6,4%. Não admira que a UE, que precisaria do dinamismo e da vitalidade da juventude para introduzir as reformas indispensáveis para a sua sobrevivência política, cada vez mais esteja entregue a pessoas que correm o risco da paralisia por excesso de prudência: a idade média da UE-27 está a caminho dos 44 anos (Portugal já está nos 45, a Alemanha nos 46).

As políticas de promoção da natalidade são o sintoma confirmativo de que os governos habitam numa bolha onírica. Em África, os jovens vivem na prisão de um presente marcado pela urgência da necessidade, podendo servir até como pedras de arremesso, como aconteceu recentemente com o “levantar” de fronteiras em Ceuta. Mas na UE, é o vislumbre do gargalo de um futuro minguado, o principal dissuasor demográfico. Até na China, apesar do PCC ter acabado em 2016 com a política do filho único, os nascimentos prosseguem em queda. Se ocorrer alguma positiva mudança de rumo, ela partirá da criatividade dos próprios jovens. Nunca das descosidas políticas públicas a eles destinadas.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias de 10 de Julho de 2021

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