A (IN) SUSTENTABILIDADE EM DEBATE

Um grupo de professores e investigadores da Universidade de Évora, sob a coordenação de Manuel Collares Pereira, decidiu juntar esforços para pensar o maior problema do nosso tempo. Diria mesmo, a questão magna da história humana: saber se a humanidade é capaz de travar, primeiro, e reformar, depois, o seu atual modelo entrópico de habitação da Terra. Os autores abordam, na pluralidade das suas formações académicas e visões do mundo, a verdadeira constelação de problemas, paradoxos e equívocos que surgem em torno da procura de alternativas ao nosso presente modelo de civilização, dominado por uma economia globalizada de crescimento ilimitado, insistentemente designada como “economia de mercado”. Não é um engano inocente, pois, na verdade, o mercado é uma realidade económica multimilenar, coincidente com a história humana, como as longas rotas mercantis muito anteriores às grandes civilizações fluviais e talassocráticas o provam. Aquilo que deparamos como obstáculo à nossa sobrevivência num planeta habitável é a rota suicidária de uma economia de crescimento exponencial, que atrelou à sua insaciável voracidade não apenas o mercado, mas os ecossistemas planetários e a sociedade no seu conjunto.

“O desenvolvimento sustentável é aquele capaz de satisfazer as necessidades do pressente sem comprometer a capacidades de as gerações futuras poderem satisfazer as suas”. A história breve do conceito de desenvolvimento sustentável (DS) é bastante conhecida. Ganhou direito de cidade no quadro das Nações Unidas em 1987, no famoso Relatório Brundtland, sobre Ambiente e Desenvolvimento. Já em 1980, na World Conservation Strategy da IUCN, a maior e mais respeitada organização dedicada à conservação da natureza e biodiversidade, o DS ensaiava uma modesta aparição. As suas raízes, todavia, são muito anteriores, manifestando a até agora inconciliável tensão entre os dois conceitos que o constituem: a dinâmica de crescimento e intensificação, ligada a uma leitura mais restrita do significado de “desenvolvimento”, contrastando com a noção de equilíbrio e durabilidade, associada ao campo semântico do adjetivo “sustentável”. Muito antes do conceito de DS, John Stuart Mill (1848) apelava para a necessidade de a economia não violar as leis da física. Seríamos obrigados, alertava o filósofo britânico, a uma economia de “estado estacionário”, gerindo com rigor os ativos naturais finitos do planeta (1). Se não o fizermos por deliberação, seremos empurrados para isso pela força invencível das leis físicas. Um século depois, Karl Polanyi (1944), Kenneth Boulding (1966), ou a equipa do MIT trabalhando para o Clube de Roma glosava na sua obra de 1972 (Os Limites do Crescimento) os temas cruciais da rota de colisão entre ecologia e economia (2).

A atual situação de guerra, de crise económica, financeira e alimentar em crescendo, escoltada pelo quase completo desleixo das políticas ambientais, são fatores que apenas acentuam a necessidade de debater, como é o caso desta obra, conceitos que tendem a transformar-se em mitos vazios de conteúdo, e fonte de equívocos. Neste livro, os temas da sustentabilidade são pensados criticamente a partir de uma diversidade de disciplinas e de pontos de vista que surpreendem pela ousadia e grande preparação dos especialistas envolvidos. Manuel Collares Pereira reuniu uma excelente equipa de autores: Alfredo M. Pereira, Cristina Conceição, Elsa Lamy, Fernando Capela e Silva, João Manuel Bernardo, José M. Belbute, José Manuel Martins, Manuela Vilhena, Margarida Simões, Maria Ilhéu, Maria Raquel Lucas, Mariana Valente, Miguel Rocha de Sousa. Foi com muita honra que aceitei o convite para prefaciar esta obra tão oportuna.

Manuel Collares Pereira (coordenação), Desenvolvimento Sustentável. Verdade e Consequência, Lisboa, Documenta, 2022, 317 pp., PVP: 20, 00 euros

Referências

  1. John Stuart Mill, Principles of Political Economy with some of their Applications to Social Philosophy, (1ª ed.: 1848), New York, Reprints of Economic Classics, Augustus M. Kelley, 1965.
  2. Kenneth E. Boulding, “The economics of the coming spaceship Earth”, Environmental Quality in a Growing Economy, H. Jarrett (ed.), Washington, D.C., The John Hopkins Press, 1966, pp.3-14.

Viriato Soromenho-Marques

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