A GUERRA DOS PALÁCIOS

Primeiro Ato.

O dia 2 de maio ficará na história da III República como o Blitzkrieg do Palácio de São Bento sobre o Palácio de Belém. Israel, em junho de 1967, precisou de 6 dias para derrotar uma grande coligação árabe. António Costa (doravante, AC) realizou sozinho, em menos de doze horas de estudada e articulada coreografia, um golpe de mão contra o PR, evocando o ataque-surpresa ao forte de Eben-Emael em 10 de maio de 1940, iniciador da ofensiva que levaria Hitler a Paris como grande conquistador. Conversa matinal com Galamba. Conversa vespertina 1 com os ministros-chave do governo. Conversa vespertina 2 com o PR. Depois, a cereja no topo do bolo: o comunicado de demissão de Galamba, atropelando os telejornais. De seguida, a gran finale: AC desce as escadarias do seu palácio, em plena luz crepuscular, para anunciar que só obedece aos imperativos da sua consciência. Teve o cuidado cirúrgico de centrar a sua intervenção ao país – uma das mais confrangedoras comunicações de qualquer PM desde 1910 – nos truculentos episódios recentes no Ministério das Infraestruturas. Defendeu a idoneidade de Galamba, excluindo o rol de revelações dos últimos meses de trabalho da CPI, onde as suas mentiras aparecem, no meio da constelação de incompetência, irresponsabilidade e falta de respeito pela causa e dinheiro públicos, protagonizada por diferentes membros do seu governo, ou por ele nomeados. Na verdade, ainda não chegámos ao essencial do caso TAP. Quais as razões para as mudanças políticas de 180º em relação à TAP? Como é possível, nacionalizar, para privatizar depois, sem qualquer justificação, comprometendo em ambos os casos o erário público? Até onde nos levará esta CPI?

Segundo Ato:

Num artigo de 1989, Adriano Moreira cunhou uma brilhante designação para as possibilidades que as revisões constitucionais de 1982 e 1989 tinham aberto para governos de maioria absoluta: “o presidencialismo de Primeiro-ministro”. AC, ao manter Galamba, indiferente à opinião pública e publicada e, sobretudo, ao parecer do PR, provou até ao extremo a exatidão da tese do saudoso Professor. Contudo, a resposta do PR em 4 de maio, aproveitou a sabedoria das artes marciais, fazendo desequilibrar o adversário no seu próprio impulso. Marcelo evitou cair no erro da exibição de força inútil. Demitir o governo, poderia levar a nova humilhação, com Costa apresentando como novo um governo apenas remendado. Dissolver a AR, seria também acabar com a CPI, permitindo a Costa explorar a fraqueza da oposição e o acesso ao erário público em campanha eleitoral. Marcelo decidiu dar uma lição ao PM e ao governo com os olhos no país. Foi uma intervenção que revelou a adulta moderação de um político que percebe a fragilidade das instituições e a volatilidade da confiança, cuja falta mata as democracias. Recordou que a responsabilidade tem consequências, mesmo que a impunidade possa parecer levar a melhor. É verdade que Marcelo comete erros, mas também o é que tende a acertar no que é essencial. Seria ótimo que fosse mais parco em palavras, que nos oferecesse o culto do silêncio reflexivo, que não partilhasse sempre os seus estados de alma, até com os seus adversários, mas as suas palavras revelaram a diferença entre ter sentido de Estado ou trair sempre a escola dos líderes de fação em que AC e tantos outros foram forjados. O campo de batalha desta guerra entre palácios continuará a ser o nosso futuro coletivo. Mas hoje já sabemos que, mesmo de noite, nem todos os gatos são pardos.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias, edição de 6 de maio, página 11.

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