Luís Fazendeiro: Salvar o Mundo pelo Agir Concreto
Esta crónica de Ecologia reproduz o prefácio que escrevi para o livro de Luís Fazendeiro – doutorado em Física (Londres, 2010) e Alterações Climáticas (Lisboa, 2022) – acabado de se tornar acessível ao público. Trata-se de uma obra que junta ao diagnóstico um vasto roteiro de propostas e ações concretas, ousadas e realistas. Numa altura em que os jovens estudantes nos voltam a despertar do sonambulismo generalizado, este livro é um sereno companheiro para o pensar e o agir.
Este é um livro corajoso. Desde logo porque o seu autor tem a ousadia de propor aos leitores pensarem com ele a profunda e diversa complexidade do nosso vertiginoso mundo. Não surpreende que tão escassos sejam aqueles que mantenham a energia intelectual e a fortaleza ética para fazer a arriscada viagem de olhar de frente este nosso frágil planeta, numa fase que autores situados no campo emergente das Ciências do Sistema-Terra designaram como A Grande Aceleração, iniciada na década de 1950. Com efeito, desde aí tudo mudou no sentido da intensificação e do crescimento, ambos irrompendo sem cuidar nem dos limites ecológicos nem dos impactos causados na fecunda, mas muito delicada, filigrana dos ecossistemas vitais da Terra. Apesar de toda a retórica “verde” e “sustentável”, a velocidade inercial da degradação ambiental e climática continua a impor-se, perante o tímido ritmo das tentativas de mitigação e redução de danos.
Luís Fazendeiro é um autor particularmente equipado para esta tarefa em que muitos recuariam. Com uma formação académica, onde se combinam dois exigentes doutoramentos, o autor deste livro elabora arquitetonicamente a sua visão do nosso tempo, com as suas ameaças capitais e possibilidades de futuro nas páginas de escrita clara e incisiva deste ensaio, distribuídas por 3 partes, 10 capítulos e 61 subcapítulos, sem esquecer as Conclusões. Este livro respeita aquilo que para mim é uma bitola de seriedade em todas as obras que tenham como objetivo deslindar o intrincado novelo da crise global do ambiente e clima. Isso significa, primeiro, compreender com a exaustão máxima que o engenho humano permita, os grandes e pequenos detalhes, contradições e incertezas da tragédia coletiva que é o espaço e o tempo que todos habitamos, cuja gravidade deveria unir a humanidade inteira, na procura da sobrevivência comum em condições de justiça e dignidade. Em segundo lugar, a compreensão deve dar lugar a um passo ainda mais difícil: a prospeção das linhas de força do futuro, com os seus possíveis e as suas espessas zonas de sombra. Este ensaio realiza essas duas tarefas, incluindo a realidade portuguesa num contexto amplíssimo, procurando não deixar nada do que seja visível de fora da sua análise.
Este é um livro sobre os riscos que ameaçam transformar a nossa crítica época de mudança global num colapso, também ele sem zonas de exceção ou santuário. Luís fazendeiro aceita esta delicada missão de equacionar o futuro respeitando as três regras que, na minha perspetiva, tão delicada tarefa impõe. A primeira regra consiste em avaliar o estado da arte daquilo que consideramos ser o conhecimento mais robusto e consolidado sobre o estado do mundo. A segunda regra reside na humildade de reconhecer que a realidade da vida e do mundo contém amplos territórios de desconhecido e incerteza, que nos impedem de fazer afirmações vestidas com a arrogância de quem julga ter atingido a verdade na sua inteireza. A terceira regra, finalmente, habita na plena consciência de que o devir da nossa história coletiva não está fechado, e nele a ação individual e coletiva podem, e devem, inscrever-se como força de modelação e transformação positiva, ao serviço de um mundo mais duradouro, justo e diverso.
Este livro não oferece garantias insensatas, nem consolo fugaz para acalmar a nossa natural angústia pelo mundo em que vão viver as gerações mais jovens e ainda não nascidas. Contudo, ele leva-nos por um caminho de identificação das ameaças e obstáculos, bem como das suas eventuais vias de superação, sem nunca querer fechar um processo que está em exuberante desdobramento e desenvolvimento. Na balança das probabilidades, o que sabemos, o que desconhecemos, e o que podemos e devemos fazer inclinam os dois pratos do porvir – o luminoso e o sombrio – com pesos diversos e com sentidos muitas vezes em colisão. Todavia, este livro oferece-nos uma certeza. Quem quiser alimentar a esperança num futuro de justiça entre os humanos e de reconciliação destes com a nossa miraculosa Casa terrestre, azul e verde, não pode ficar sentado à espera de que ele lhe seja oferecido gratuitamente. Merecer o futuro é hoje o maior imperativo, intelectual, moral e prático, que a todos deverá mobilizar. Nos pensamentos e nas ações. Todos os dias.
Luís Fazendeiro, Sobre A Mudança. Justiça Climática e Transição Ecológica no Século XXI, Lisboa, Livros Outro Modo, 2023, PVP: €13,50
Viriato Soromenho-Marques
Publicado no Jornal de Letras, na edição de 17 a 30 de maio de 2023, p. 33.