A EUROPA E AS ELITES EM FRANCO NOGUEIRA

Em 1971, já retirado da vida política ativa, Franco Nogueira (1918-1993), ministro português dos Negócios Estrangeiros entre 1961 e 1969, escreveu uma obra de interpretação da história de Portugal, onde a amargura latente acerca do futuro do país, se junta ao total desencantamento sobre a viabilidade de uma integração europeia poder constituir uma alternativa segura para um Portugal pós-imperial (Franco Nogueira, As Crises e os Homens, Lisboa, Ática, 1971).

O contexto ajuda a perceber o pessimismo de Nogueira. Portugal estava há uma década envolvido numa dispendiosa guerra em três dos principais territórios do seu império ultramarino. A guerra ceifava vidas, além de consumir uma parte de leão do orçamento de Estado, custando também ao país um vasto isolamento diplomático. Sem o confessar abertamente, compreende-se uma reserva profunda acerca da possibilidade desse esforço de guerra, agora dirigido por Marcello Caetano, poder prolongar-se por muito mais tempo. O Embaixador mergulha no passado nacional, produzindo uma verdadeira teoria da história nacional, que se traduz num alerta para a perda do império, e para a crítica à credulidade das elites nacionais perante o discurso da unidade europeia e do “mercado comum”, que, na perspetiva do autor, escondia, numa capa meramente ideológica, os “grandes objetivos nacionais” das “grandes potências europeias”.

Nogueira vai mais longe. Sempre que Portugal tentou participar no coração dos assuntos europeus, mesmo quando esteve do lado dos vencedores, como foi o caso no desfecho da I Guerra Mundial, Portugal perdeu sempre (subestimando aqui que o objetivo central da preservação do império foi atingido). A tese central do Embaixador acabaria por coincidir, por excesso, com a atitude de Salazar que, sem abandonar o pragmatismo, fundou a sua intransigente política ultramarina na convicção de que, privado das suas colónias, Portugal seria engolido pela História. Nogueira não está a visar apenas a “oposição democrática”, que timidamente se organizava no espaço público do marcelismo. Ele percebe as fraturas abertas dentro do próprio regime, e vai buscar à história ilustrações de como “o escol português”, nos momentos decisivos, acabou sempre por ir contra o interesse nacional, levado pelas sedutoras promessas dos cantos de sereia provenientes da Europa profunda, ou mais genericamente do Ocidente: o respeito pelas “leis de sucessão ao trono”, que nos trouxeram a dinastia filipina; a “liberdade dos mares”, que favoreceram a hegemonia marítima de holandeses e ingleses; o “anti esclavagismo”, que alimentou os interesses comerciais britânicos; a “autodeterminação”, que ajudou a universalizar a pax-americana…Como realista convicto, Nogueira encara os interesses objetivos como única fonte de valor na política internacional. Quando uma ideologia se opõe ao interesse nacional, importa perguntar que interesses alheios ela serve. No final, o livro transforma-se num testamento e numa advertência para os riscos de novo falhanço do escol, seduzido desta vez esperanças e ilusões do “mercado comum”.

Depois de 1974, sem império, não havia alternativa a uma integração europeia. O que me parece mais certeiro em Franco Nogueira é a avaliação crítica da mediocridade das nossas elites. Se em vez do passivo deslumbramento com as luzes europeias, tivesse existido mais competência e realismo, talvez o lugar de Portugal no atual desconcerto europeu oferecesse maior campo de manobra.

Viriato Soromenho-Marques

Publicado no Diário de Notícias, edição de 5 de agosto de 2023, página 12.

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